Está claro para mim agora que a qualidade de vida depende de um mínimo de condição de atender simultaneamente a vários tipos de necessidades. Algumas são OBJETIVAS, no sentido de que dependem de objetos externos. Incluem coisas como ar, água, alimento, cuidados médicos. Igualmente reais e tão importantes quanto as realidades objetivas são as realidades INTRASUBJETIVAS, que dependem da história e inclinações pessoais de cada indivíduo, e as realidade INTERSUBJETIVAS, que tratam dos relacionamentos culturais e sociais e só podem ser expressas por meio de algum tipo de linguagem negociada, porque sempre dependem de trocas de conteúdos simbólicos.
É claro que há uma relação entre as realidades e necessidades objetivas e subjetivas. Há uma lamentável tendência a querer acreditar que alguma das três categorias é inerentemente mais nobre do que alguma das outras duas, ou mesmo que alguma das três é sombra ou consequência automática de alguma outra. Pensar assim é um equívoco.
A realidade parece mostrar que, muito pelo contrário, todas ou quase todas as mazelas que podemos encontrar são em última análise resultado de um desequilíbrio entre nossas situações objetivas e subjetivas.
É preciso ter uma infra-estrutura física e material bem cuidada; é preciso ter uma noção clara e bem cuidada de quem exatamente somos em nossos íntimos, bem como de quem queremos um dia vir a ser; simultaneamente, é igualmente necessário ter uma noção clara e bem cuidada de quais são os nossos papéis nas vidas uns dos outros, de que forma esses papéis mudam, e quais são as consequências sobre nossas vidas. Quando essas três linhas de desenvolvimento pessoal estão muito distantes entre si, o resultado é uma série de problemas, patologias e traumas.
Especificamente, suspeito que muitas psicopatologias menos auto-evidentes são resultado de um desencontro mais intenso entre as situações intrasubjetivas e intersubjetivas. Estou pensando especificamente nas personalidades com distúrbios borderline (também chamados de fronteiriços ou limítrofes) que tendem a ficar paralisadas de medo e confusão diante da necessidade de se expressar, porque seu desenvolvimento intersubjetivo é atrofiado ou distorcido; e também nos distúrbios bipolares, que tem oscilação exagerada nos seus conteúdos intrasubjetivos, possivelmente porque tentam nessas oscilações alcançar pelo menos momentaneamente um equilíbrio harmonioso com os seus papéis intersubjetivos.
Não tenho verdadeiro treinamento nessa área, nem minha experiência direta é realmente significativa. Portanto não posso confiar muito nesta minha análise tão especulativa. Ainda assim, algumas idéias interessantes são sugeridas por este meu modelo.
Uma delas é a de que os distúrbios fronteiriços (borderline) podem ser tratados com uma combinação de regressão psicológica em condições controladas com reestruturação criteriosa dos valores emocionais e morais e da auto-imagem. Basicamente é preciso alcançar um ponto no qual o afligido ENTENDA que tem o direito de reposicionar seus conteúdos subjetivos; ACEITE que lhe convém fazê-lo; e CONFIE nas circunstâncias e relacionamentos ao seu alcance como adequados para a sustentação dessa nova escolha de papéis. Essa última condição é a mais difícil de se atender, porque não depende apenas do afligido. Muitas vezes se tenta ignorá-la ou minimizar sua importância, o que é um grave erro e tende a tornar o problema mais sério do que já é.
Se a bipolaridade é caracterizada pela instabilidade dos conteúdos intrasubjetivos (e possivelmente também dos intersubjetivos, em grau menor), então a meta deve ser restaurar algum senso de estabilidade e de crescimento orgânico a esses conteúdos.
Enquanto o borderline precisa conhecer um meio social coerente, o bipolar precisa de variedade. Precisa estar em contato com outras pessoas, em uma variedade de situações, para poder experimentar e comparar. Eventualmente ele perceberá mais afinidade com algumas companhias e posturas do que com outras (isso só pode vir com o tempo, porque por natureza o bipolar é bastante camaleônico e tende a mudar seus sentimentos antes de descobrir se está em sintonia com eles). O desafio do borderline é sair da inércia para se encontrar, o do bipolar é parar de correr de um lado para o outro para descobrir onde quer estar.