Início >> 2. Sobre o Bom e o Mau >> 4. Kamma no nível social
Resultados de kamma em diferentes níveis
Fatores que afetam a geração dos frutos de kamma
Compreendendo o processo de geração dos frutos
Frutos de kamma a longo prazo – Paraíso e Inferno
Resumo: confirmando vidas futuras
Os frutos de Kamma no Culakammavibhanga Sutta
Provavelmente o aspecto mais mal compreendido de todo o tema de kamma seja a forma como os resultados são produzidos, tal como sumariado no princípio, “Boas ações trazem bons resultados, ações ruins trazem resultados ruins.” Será mesmo verdade? Para alguns, parece que no “mundo real” existem muitos que obtêm bons resultados de ações ruins e resultados ruins de boas ações. Esse tipo de entendimento surge a partir da confusão entre a “Preferência Social” e a lei de kamma. A confusão pode ser vista com facilidade pela forma como as pessoas compreendem mal até mesmo o significado das palavras “boas ações trazem bons resultados.” Ao invés de compreender o significado como sendo “ao realizar boas ações, existe a bondade,” ou “boas ações trazem bons resultados de acordo com a lei de kamma,” elas assumem que o significado seja “boas ações resultam em coisas boas.” Tendo isso em mente, analisemos o assunto um pouco mais a fundo.
O tema que causa dúvida é a distinção, e a relação, entre a lei de kamma e a preferência social. Para esclarecer este ponto, consideremos primeiro a geração dos frutos de kamma em quatro níveis distintos:
1. O nível interno, mental: os resultados que kamma produz dentro da mente sob a forma de tendências acumuladas, tanto hábeis como inábeis, e a qualidade da mente, as suas experiências de felicidade, sofrimento e assim por diante.
2. O nível físico: o efeito que kamma tem sobre o caráter, maneirismos, atitudes, tendências comportamentais. Os resultados neste nível são derivados do primeiro nível e os seus campos pertinentes se sobrepõem, mas aqui eles são considerados em separado para esclarecer melhor a forma como esses dois níveis afetam as experiências de vida.
3. O nível das experiências de vida: como kamma afeta os eventos da vida, produzindo tanto experiências desejáveis como indesejáveis; especificamente, eventos externos como a prosperidade e o declínio, o fracasso e o sucesso, a riqueza, status, felicidade, sofrimento, elogio e crítica. Esse conjunto é conhecido como lokadhamma (condições mundanas). Os resultados de kamma neste nível podem ser divididos em dois tipos:
.aqueles que surgem de causas ambientais, não humanas.
.aqueles que surgem de causas relacionadas com outras pessoas e a sociedade.
4. O nível social: os resultados do kamma individual e coletivo na sociedade, conduzindo à prosperidade social ou ao declínio, harmonia ou discórdia. Isto também inclui os efeitos da interação humana com o ambiente.
Os níveis 1 e 2 se referem aos resultados que afetam a mente e o caráter, que são os campos nos quais a lei de kamma é dominante. O terceiro nível é onde a lei de kamma e a preferência social se encontram e é neste ponto que a confusão surge. Esse é o problema que consideraremos a seguir. O quarto nível, kamma no plano social, será examinado no capítulo seguinte.
Ao pensar no significado das palavras “boas ações trazem bons resultados, ações ruins trazem resultados ruins,” a maioria das pessoas tende a observar apenas os resultados produzidos no terceiro nível, aqueles de fontes externas, ignorando por completo os resultados nos níveis um e dois. No entanto, esses dois primeiros níveis têm importância crucial, não somente por eles determinarem o bem estar mental, força interior ou deficiências, a maturidade ou fraqueza das faculdades, mas também pelo seu potencial de determinação dos eventos externos. Isso quer dizer que aquela porção dos resultados no terceiro nível que fazem parte do domínio da lei de kamma são derivados dos resultados de kamma no primeiro e segundo níveis.
Por exemplo, os estados mentais que são resultados de kamma no primeiro nível – interesses, preferências, tendências, métodos para encontrar a felicidade ou como lidar com o sofrimento – irão influenciar não somente a forma como encaramos as coisas, mas também as situações para as quais somos atraídos, reações e decisões que tomamos ou nosso estilo de vida e as experiências ou resultados com os quais nos deparamos. Eles afetam a atitude que adotamos em relação às experiências da vida, que por sua vez irá afetar o segundo nível (tendência comportamental). Isto por outro lado fomenta a forma como as atividades mentais (o primeiro nível) afetam os eventos externos (o terceiro nível). A direção, estilo ou método adotado numa ação, a persistência, os obstáculos específicos em vista dos quais cedemos e diante dos quais persistimos, incluindo a probabilidade de sucesso, são todos influenciados pelo caráter e pela atitude. Isso não quer dizer que outros fatores sejam negados, em particular os fatores ambientais e sociais que afetam uns aos outros e que exercem influência sobre nós, mas aqui estamos mais preocupados em observar o processo de kamma.
Embora os eventos da vida sejam em grande parte derivados dos efeitos da lei de kamma no nível pessoal (físico e mental), esse nem sempre é o caso. Um funcionário público honesto e capaz, por exemplo, que tenha se empenhado no seu trabalho terá a expectativa de avançar na sua carreira, pelo menos mais do que aquele que seja ineficiente e incapaz. Mas algumas vezes isso não ocorre. Isso porque os eventos na vida não estão totalmente sujeitos à lei de kamma. Existem fatores de outros niyama e outros sistemas de valores envolvidos, particularmente da preferência social. Se apenas houvesse a lei de kamma operando então não haveria problema, os resultados surgiriam em correspondência direta com o kamma em questão. Mas observar apenas a influência de kamma, com a exclusão dos demais fatores, e não fazer a distinção entre as leis da natureza e a preferência social concernente, causa confusão, e é exatamente isso que pode gerar a idéia de que “boas ações trazem resultados ruins e ações ruins trazem bons resultados.”
Por exemplo, pode-se esperar que um estudante escrupuloso, aplicado nas suas tarefas, adquira conhecimento. Mas poderá ocorrer que em algumas ocasiões ele esteja exausto fisicamente ou que tenha uma dor de cabeça, ou que o tempo, ou algum acidente interrompa os seus estudos. Qualquer que seja o caso, podemos sempre afirmar que em geral a lei de kamma é o principal fator determinante para as experiências boas e ruins na vida.
Vamos agora analisar e corrigir alguns dos mal-entendidos com relação à geração de frutos de kamma tomando como referência os textos budistas. A frase que os Tailandeses gostam de repetir, “boas ações trazem bons resultados, ações ruins trazem resultados ruins,” provém de uma afirmação do Buda,
Yadisam vapate bijam Tadisam labhate phalam
Que pode ser traduzido como:
Como a semente, assim a fruta.
Quem pratica o bem, recebe o bem,
Quem pratica o mal, recebe o mal.[SN.I.227; J.II.199, III.157]
Esse trecho expressa de forma bastante sucinta e clara a doutrina de kamma Budista. (Note que neste caso o Buda emprega bijaniyama, a lei de hereditariedade). Ao considerar essa ilustração, podemos dirimir toda a confusão com relação à lei de kamma e a preferência social.
Em outras palavras, a frase, “Como a semente, assim a fruta,” explica a lei da natureza relativa às plantas: se for plantado tamarindo, você obterá tamarindo; se uma parreira for plantada, você obterá uvas; se for plantada alface, você obterá alface. Não há em absoluto nenhuma referência em termos de preferência social, tal como se disséssemos “se for plantado tamarindo, você obterá dinheiro,” ou “plantar alface fará com que você fique rico,” que são estágios diferentes no processo.
Bijaniyama e a preferência social passam a relacionar-se quando, tendo plantado uma parreira, por exemplo, e obtido uvas e sendo o momento propício para as uvas, você as vende por um bom preço e nesse ano fica rico. Mas em outra ocasião, você planta melancias e obtém uma boa colheita, mas naquele ano todos plantaram melancia, a oferta excede a demanda e o preço das melancias despenca. Você tem um prejuízo e tem que se desfazer de uma grande quantidade de melancias.
Além do fator de demanda do mercado, pode haver também outros fatores envolvidos, tais como fatores econômicos determinados pela preferência social. Mas o ponto fundamental é a certeza da lei de hereditariedade e a distinção entre essa lei da natureza e a preferência social. Elas são distintas, mas ainda assim, relacionadas de forma clara.
As pessoas tendem a olhar para a lei de kamma e a preferência social como sendo a mesma coisa, interpretando “boas ações trazem bons resultados” como significando “boas ações nos farão ricos,” ou “boas ações irão nos render uma promoção,” o que em alguns casos parece fazer bastante sentido. Mas as coisas nem sempre ocorrem dessa forma. Dizer isso é o mesmo que dizer, “Plante uma mangueira e você ganhará um montão de dinheiro,” ou “Eles plantaram uma macieira, por isso estão enfrentando dificuldades.” Isso pode ser verdade ou pode não ser. Mas esse tipo de raciocínio se adianta aos fatos. Não é completamente verdadeiro. Pode ser adequado para a comunicação no dia-a-dia, mas se você quisesse falar corretamente, teria que analisar claramente os fatores pertinentes.
Nas escrituras em Pali existem quatro pares de fatores que influenciam a geração dos frutos de kamma no nível das experiências de vida. Eles são apresentados como as quatro vantagens (sampatti) e as quatro desvantagens (vipatti). [Vbh. 338]
Sampatti pode ser interpretado como atributo ou ganho e se refere à confluência de fatores que suportam a geração de bons frutos de kamma e obstruem a geração de frutos ruins de kamma. Os quatro são:
1. Gatisampatti: Local de nascimento favorável; ambiente, circunstâncias ou carreira favoráveis; isto é, nascer em uma localidade, região ou país favorável; sob a perspectiva do curto prazo, estar num local favorável.
2. Upadhisampatti: Adequabilidade e suporte do corpo, isto é, possuir uma aparência ou personalidade bela ou agradável que desperta o respeito ou preferência; um corpo forte e saudável, etc.
3. Kalasampatti: A oportunidade, adequação ou o suporte do tempo, isto é, nascer numa ocasião em que o país viva em paz e harmonia, o governo seja bom, as pessoas vivam de forma virtuosa, elogiem a bondade e não encorajem a corrupção; sob a perspectiva do curto prazo, encontrar as oportunidades no tempo correto, no momento correto.
4. Payogasampatti: O atributo da ação, adequação ou vantagem da ação; isto é, ação apropriada de acordo com a circunstância; ação que esteja de acordo com a habilidade ou capacidade pessoal; ação que esteja totalmente de acordo com os princípios ou critérios em questão; ação completa, não superficial; procedimento ou método adequado.
Vipatti pode ser interpretado como defeito ou perda e se refere à tendência dentro dos fatores condicionantes que encorajam a geração de frutos de kamma ruins no lugar dos bons. Eles são:
1. Gativipatti: Local de nascimento desfavorável; ambiente, circunstâncias ou carreira desfavoráveis; isto é, nascer em uma localidade, região ou país desfavorável.
2. Upadhivipatti: Fraqueza ou defeito no corpo; isto é, ter um corpo deformado ou doentio, com uma aparência desagradável. Isto inclui as ocasiões em que a saúde esteja debilitada e o corpo enfermo.
3. Kalavipatti: Desvantagem ou deficiência do tempo; isto é, nascer numa época em que exista convulsão social, um governo ruim, uma sociedade degenerada, a opressão das pessoas de bem, elogios aos imorais e assim por diante. Isto também inclui a ação inoportuna.
4. Payogavipatti: Fraqueza ou deficiência da ação; colocar esforço em uma tarefa ou assunto inútil ou para o qual não há proficiência; ação que não é realizada de forma completa.
Primeiro par: Gatisampatti: Nascer em uma comunidade afluente e ter uma boa educação pode proporcionar uma posição de mais destaque na sociedade do que um outro que, embora mais brilhante e mais diligente, nasça numa comunidade mais pobre com menos oportunidade. Gativipatti: Numa época em que um Buda tenha nascido no mundo e esteja expondo o Dhamma, o nascimento numa comunidade primitiva na floresta ou como um ser nos planos inferiores obstará qualquer possibilidade de ouvir os ensinamentos; o aprendizado e as habilidades numa comunidade na qual tais talentos não sejam reconhecidos poderá não trazer nenhum benefício e poderá até mesmo levar à rejeição e ao desprezo.
Segundo par: Upadhisampatti: Belos atributos e uma aparência agradável podem com freqüência ser utilizados para ascender na escala social. Upadhivipatti: A deformidade ou deficiência provavelmente obstarão a honra e o prestígio que normalmente recairiam sobre um membro de uma família rica e poderosa; numa situação em que duas pessoas tenham os mesmos atributos, sendo uma atraente ao passo que a outra possui aparência desagradável ou doentia, os atributos do corpo podem ser os fatores decisivos para o sucesso.
Terceiro par: Kalasampatti: Numa época em que o governo e a sociedade sejam honestos e valorizem a virtude, a honestidade e a integridade podem proporcionar o sucesso; numa época em que a poesia seja preferida socialmente, um poeta tem grande possibilidade de se tornar famoso e venerado. Kalavipatti: Numa época em que a sociedade tenha decaído da virtude e o governo seja corrupto, as pessoas honestas poderão na verdade ser perseguidas; numa época em que uma grande parte da sociedade prefira um estilo musical mais agressivo, um músico com habilidade num estilo musical mais suave e relaxante poderá não obter muito reconhecimento.
Quarto par: Payogasampatti: Mesmo desprovido de bondade ou talento, uma habilidade especial nas relações públicas e a compreensão dos costumes sociais podem ajudar a superar as deficiências em outras áreas; uma habilidade em falsificar documentos pode ser revertida de forma favorável para a inspeção de documentos. Payogavipatti: Talento e habilidades serão inevitavelmente prejudicados pelo vício do jogo; um velocista com a habilidade para se tornar um atleta campeão poderá empregar mal o seu talento fugindo com objetos roubados de outras pessoas; uma pessoa com um caráter prático e inclinação pela mecânica poderá ir trabalhar numa função de escritório que lhe seja totalmente inadequada.
Os frutos de kamma no nível externo são em grande parte condições mundanas que se encontram em estado de constante mudança. Essas condições mundanas são no entanto superficiais, elas não são a verdadeira essência da vida.O quanto elas nos influenciam depende do quanto estejamos apegados a elas. Se houver pouco apego, é possível manter a equanimidade em face das dificuldades ou pelo menos não ser subjugado por elas. Por essa razão, o Budismo encoraja a reflexão inteligente e a compreensão da verdade deste mundo, o estar plenamente atento e não ser descuidado: não se embriagar com os momentos de boa fortuna e não ficar deprimido ou ansioso com os momentos de má sorte, mas considerar os problemas de forma cuidadosa, com sabedoria.
A ambição pelos objetivos mundanos deve ser combinada com o conhecimento dos atributos e fraquezas pessoais, com a habilidade para selecionar e organizar os atributos relevantes para atingir aqueles objetivos através de meios hábeis (kusala kamma). Tais ações terão um efeito duradouro e benéfico na vida, em todos os níveis. O sucesso obtido através de meios inábeis ou ocasiões favoráveis utilizadas para criar kamma inábil criará resultados indesejáveis de acordo com a lei de kamma. Essas quatro vantagens (sampatti) e desvantagens (vipatti) estão em mudança constante. Quando o tempo favorável ou as oportunidades tiverem passado, o kamma ruim amadurecerá. As condições favoráveis devem ser utilizadas para criar kamma bom.
Neste contexto, podemos resumir dizendo que, para uma dada ação na qual diversas leis da natureza estejam em jogo, nossa ênfase principal deveria ser em relação aos fatores de kamma. Quanto aos fatores que pertencem a outros tipos de leis da natureza, depois de cuidadosa reflexão eles também podem ser incorporados, contanto que não sejam prejudiciais sob a perspectiva de kamma. Praticar dessa forma pode ser chamado de “empregar o kamma hábil e as quatro vantagens” ou “saber como obter benefício de ambos, da lei de kamma e da preferência social.”
Em todo caso, tendo em mente o verdadeiro objetivo dos ensinamentos do Buda, a aspiração pelo verdadeiro bem não deveria ser trocada por meros resultados mundanos. O verdadeiro kamma bom surge de uma ou outra das três raízes da habilidade: não cobiça, não aversão e não delusão. São as ações baseadas no altruísmo, com o abandono do inábil contido na mente, desenvolvendo pensamentos bondosos em relação aos outros e realizando ações baseadas na boa vontade e na compaixão. Tais ações estarão baseadas na sabedoria, numa mente que aspira pela verdade e pela libertação. Esse é o tipo de kamma mais elevado, o kamma que conduz à cessação de kamma.
Sempre que a intenção de realizar ações hábeis ou inábeis surja, esse é o início de uma movimentação na mente. Para usar uma terminologia mais científica, poderíamos dizer que a “energia da volição” surge. Como essa energia segue o seu curso, quais os fatores determinantes que a afetam e assim por diante são em geral um mistério para as pessoas e pelo qual elas estão pouco interessadas. Elas tendem a dedicar maior interesse aos resultados que surgem com clareza no final do ciclo, especialmente aqueles que se materializam na esfera social humana. São coisas que podem ser vistas e descritas com facilidade.
A humanidade possui um bom conhecimento sobre as criações da mente no plano material e de como essas coisas surgem; mas sobre a real natureza da própria mente, onde se estabelece a intenção e a forma como esta afeta a vida e a psique temos de fato muito pouco conhecimento. É um reino obscuro e misterioso para a maioria das pessoas, apesar do fato de precisarmos ter um relacionamento íntimo com essas coisas e sermos diretamente influenciados por elas.
Por conta dessa obscuridade e ignorância, ao sermos confrontados com eventos que aparentam ser aleatórios e inexplicáveis, as pessoas tendem a ser incapazes de juntar os fios dispersos de causa e efeito, e, ou não vêem os fatores determinantes, ou os vêm de forma incompleta. Elas então passam a rejeitar a lei de kamma e colocam a culpa em outras coisas. Isso é equivalente a rejeitar a lei de causa e efeito ou o processo natural de interdependência. Rejeitar a lei de kamma e culpar outros fatores pelas desfortunas da vida é em si mesmo gerador de mais kamma inábil. De modo mais específico, agindo assim, qualquer possibilidade de melhorar situações desfavoráveis através do claro entendimento ficará frustrada.
De todo modo, é reconhecido que o processo de geração dos frutos de kamma é extremamente complexo, é um processo que está além da compreensão da maioria das pessoas. Em Pali se diz que esse processo é acinteyya, além da compreensão do processo usual de pensamento. O Buda disse que insistir em pensar sobre esse tipo de coisas pode levar à loucura. Ao dizer isso, o Buda não estava proibindo as considerações acerca da lei de kamma, mas ao invés disso apontando que a complexidade das causas e eventos na natureza não pode ser compreendida só por meio do pensamento, mas sim por meio do conhecimento direto, intuitivo.
Portanto, o fato de ser acinteyya não nos proíbe de abordar o tema. Nossa relação com kamma está baseada no conhecimento e na firme convicção nesse conhecimento, baseado no exame daquelas coisas que somos capazes de compreender. Essas são as coisas que estão na verdade se manifestando neste presente momento, começando com as mais imediatas e se estendendo para o exterior.
No nível imediato estamos lidando com o processo dos pensamentos, ou intenção, da forma como foi descrito acima, notando no início como os pensamentos hábeis beneficiam a psique e os inábeis a prejudicam. A partir daí, os frutos desses pensamentos se espalham para o exterior e afetam os outros e o mundo de uma forma geral, regressando para afetar o perpetrador de uma forma correspondente, benéfica ou prejudicial.
Esse processo de fruição pode ser visto em níveis crescentes de complexidade, influenciado por inúmeras causas externas, até o ponto em que seja possível ver tamanha complexidade que exceda tudo aquilo que havia sido imaginado antes. A consciência disso proporciona uma firme convicção na verdade da lei da natureza de causa e efeito. Uma vez que o processo seja compreendido num nível imediato, o impacto a longo prazo também é compreendido porque o longo prazo é derivado do presente imediato. Sem a compreensão do processo no curto prazo, é impossível compreender o processo no longo prazo. Ver o processo no presente é que nos possibilita ver como as coisas na verdade são.
Ter firme convicção no processo natural de causa e efeito com relação à intenção ou volição é ter firme convicção na lei de kamma ou de acreditar em kamma. Com base na firme convicção na lei de kamma, somos capazes de realizar nossas ambições através das ações apropriadas, com a clara compreensão do processo de causa e efeito envolvido. Quando se ambiciona algo, quer seja na área de desenvolvimento pessoal ou em termos mundanos, os fatores relevantes incluídos tanto na lei de kamma como nos outros niyama devem ser considerados com cuidado e as condições corretas criadas de acordo.
Por exemplo, um artista habilidoso ou artesão não deve somente considerar os seus esboços e intenções excluindo todo o restante, mas também os fatores relevantes de outros niyma e sistemas de valores. Ao planejar um projeto intrincado de uma casa, um arquiteto deve considerar os materiais que serão usados em cada área. Se ele designar o uso de madeira flexível onde deveria ser empregada madeira rígida, não importa quão belo seja o seu projeto, a casa poderá vir a desabar sem satisfazer o seu propósito. Para trabalhar com a lei de kamma de maneira habilidosa, é necessário desenvolver o interesse pela integridade moral e ter apreço pelo bem, (kusalachanda ou dhammachanda), e a motivação para melhorar a vida e o ambiente em que a pessoa viva. O desejo pela qualidade ou compaixão nas ações pessoais e relacionamentos é necessário. As pessoas que apenas ambicionam resultados mundanos, negligenciando a aspiração pelo bem, tendem a tentar ludibriar ou enganar a lei de kamma, trazendo problemas não somente para elas mesmas, mas para a sociedade como um todo.
Alguns estudiosos sentem que para convencer os leigos acerca da lei de kamma e para encorajar a moralidade, estes precisam ser convencidos sobre a geração de frutos de kamma a longo prazo, de vidas passadas para vidas futuras. Como resultado disso, eles vêem a necessidade de confirmar a existência de uma vida depois desta ou pelo menos de apresentar alguma evidência convincente disso. Alguns estudiosos tentam explicar o princípio de kamma e da vida após a morte tomando como referência as leis científicas modernas, como por exemplo a Lei da Conservação de Energia, aplicando-a ao processo mental e à intenção. Outros fazem referência às teorias da psicologia moderna e aos dados relativos à recordação de vidas passadas. Alguns chegam ao ponto de empregar médiuns e videntes para dar suporte às suas afirmações. Esses intentos de confirmação científica não serão analisados aqui, porque estão fora do escopo deste livro. Aos interessados fica a sugestão para que pesquisem o assunto por sua própria conta num dos muitos livros disponíveis que tratam do assunto. Quanto ao presente livro, apenas algumas breves reflexões sobre o tema serão proporcionadas.
A conveniência de comprovar a verdade de vidas futuras e dos frutos de kamma a longo prazo parece ter alguma validade. Se as pessoas realmente acreditarem nessas coisas, é possível que elas venham a ter mais inclinação para evitar as ações ruins e cultivar as boas. Assim, parece desnecessário opor-se ao contínuo estudo e experimentação com tais assuntos, contanto que eles estejam dentro dos limites da razão. (De outra forma, essas investigações, ao invés de iluminarem aquilo que é misterioso, acabariam convertendo verdades observáveis em mistérios inexplicáveis!) Se os experimentos forem honestos e razoáveis, no mínimo algum ganho científico poderá ser esperado.
Por outro lado, os estudiosos que estão se aprofundando nesses temas não deveriam se tornar tão absortos na sua pesquisa ao ponto de serem cegados por ela, atribuindo-lhe uma importância superior a todo o demais e ignorando a importância do momento presente. Isso poderia se converter numa concepção extremada e desequilibrada.
O exagero com relação ao renascimento nos paraísos e nos infernos ignora o bem que se deveria aspirar no presente. Nossa intenção original de encorajar a consciência moral todo o tempo, incluindo as vidas futuras e uma confiança inabalável na lei de kamma resultará, ao invés disso, numa aspiração apenas por resultados futuros, o que se torna um tipo de cobiça. As boas ações serão praticadas apenas com o propósito de obter algo em troca. A ênfase exagerada em relação a vidas passadas e futuras ignora a importância das qualidades de integridade moral e o desejo pelo bem, o que por sua vez se torna a negação ou até mesmo um insulto ao potencial humano de praticar e desenvolver a verdade e a retidão por elas mesmas.
Muito embora existam boas justificativas para a idéia de que a confirmação de vidas futuras poderia influenciar as pessoas a conduzirem vidas mais virtuosas, ainda assim não existe razão para as pessoas terem que esperar até ficarem satisfeitas em relação a este ponto, para só então concordarem em viver de um modo mais virtuoso. É impossível dizer quando o grande “se” dessa pesquisa científica será respondido: quando essa pesquisa estará completa?
Se considerarmos o assunto, de acordo com o significado estrito da palavra “confirmação”, como sendo uma demonstração clara, então essa palavra não terá validade neste caso. É impossível que uma pessoa resolva as dúvidas de outra com relação ao renascimento. Somente aqueles que são capazes de ver por si mesmos podem ter certeza do renascimento. A “confirmação” da qual se fala é uma mera coleção de fatos correlacionados e estórias de casos para análise ou especulação. A real essência desse assunto permanece acinteyya, insondável. Não importa quantos fatos sejam colecionados para dar suporte ao tema, para a maioria será uma questão de fé ou crença. Enquanto for uma questão de crença, sempre haverá aqueles que não crêem e sempre haverá a possibilidade de dúvida entre aqueles que crêem. Somente quando alguns dos grilhões forem abandonados com a realização de ‘Entrar na Correnteza’ será possível superar a dúvida.
Resumindo, buscar informações e estórias pessoais que apóiem a questão de vida após a morte produz algum benefício e esse tipo de ação não deve ser desencorajado, mas afirmar que a prática ética tem que depender da sua confirmação não é verdadeiro nem desejável.
Existem mesmo vidas passadas e futuras, paraíso e inferno? Essa não é só uma questão fascinante, para alguns é também inquietante, porque é uma grandeza desconhecida. Por isso, eu gostaria de incluir um pequeno resumo sobre o tema.
1. De acordo com os ensinamentos do Budismo, o que está preservado no Cânone em Pali, essas coisas existem.
2. Não há forma de chegar a uma confirmação porque essas coisas não são passíveis de prova ou refutação. Ou você acredita nelas ou não. Nem aqueles que acreditam, nem aqueles que não acreditam, nem aqueles que estão tentando prová-las ou refutá-las, realmente sabem de onde vem ou para onde vai a vida, deles mesmos ou dos outros. Todos estão na escuridão, não somente com relação ao passado distante, mas até mesmo em relação ao nascimento presente, a esta vida e ao futuro, até mesmo em relação ao dia seguinte.
3. Com relação ao tema da confirmação: pode-se dizer que “as formas devem ser vistas com o olho, os sons devem ser ouvidos com o ouvido, os sabores devem ser saboreados com a língua” e assim por diante. É impossível ver um objeto visual usando outros órgãos que não o olho, mesmo se você empregasse dez ouvidos e dez línguas para fazer isso. De forma semelhante, não é possível perceber objetos visuais ou auditivos (tais como ondas ultravioleta ou ondas supersônicas) com instrumentos que meçam comprimentos de onda distintos ou incompatíveis. Algumas coisas podem ser vistas por um gato e mesmo dez olhos humanos não serão capazes de vê-las. Algumas coisas, embora audíveis para um morcego, são inaudíveis até mesmo para dez ouvidos humanos. Nesse contexto, morte e nascimento são experiências da vida ou para ser mais preciso, eventos da mente, e devem ser investigados por meio da vida ou pela mente. Qualquer investigação deve portanto ser realizada de uma das seguintes formas:
(a) Para confirmar a verdade dessas coisas na mente, diz-se que a mente precisa primeiro estar num estado de calma concentrada ou samadhi. No entanto, se este método parecer impraticável ou inconveniente ou se for considerado como muito suscetível de conduzir à ilusão, o próximo método é
(b) confirmar nesta mesma vida. Nenhum de nós morreu ainda. O único teste cabal será alcançado com a própria morte...mas poucos parecem inclinados a tentar este método.
(c) Se não existir um verdadeiro teste, como mencionado acima, tudo que nos resta é mostrar um número de casos e informações coletadas, tais como relatos de recordações de vidas passadas ou usar analogias de outros campos, tais como sons percebidos apenas por certos tipos de instrumentos - para mostrar que essas coisas possuem certa credibilidade. No entanto, o assunto se mantém no nível da crença.
Independente de crença ou descrença ou de como as pessoas tentem provar essas coisas umas às outras, o fato iniludível, do qual toda vida futura terá que derivar, é a vida no presente momento. Por isso, este é o lugar para onde deveríamos estar direcionando a nossa atenção. No Budismo, considerado como uma religião pragmática, o ponto de real interesse é o nosso relacionamento prático em relação à presente vida. Como iremos conduzir nossas vidas à medida em que elas estão se desenrolando exatamente neste instante? Como faremos para que esta vida presente seja boa e ao mesmo tempo na eventualidade de existir uma vida futura, assegurar que ela será boa? À luz desses pontos, podemos considerar o seguinte:
Existem duas observações que podem ser feitas com relação a isso:
Primeiro, os frutos de kamma na vida presente recebem prioridade e são descritos em detalhe. Os resultados nas vidas futuras são deixados para o final para “arredondar” a discussão.
Segundo, a explicação do Buda dos resultados bons e ruins de kamma sempre foi uma demonstração da verdade de que essas coisas ocorrem de acordo com causas. Isto é, os resultados (de kamma) surgem automaticamente das suas causas. O simples conhecimento desse fato estabelece a confiança nos frutos das ações.
Enquanto aqueles que não crêem na vida após a morte não souberem de fato que não existe vida após a morte, ou paraíso e inferno, eles serão incapazes de refutar de forma completa as dúvidas que se ocultam nas profundezas das suas mentes. E quando essas pessoas tiverem a energia da juventude esgotada e a velhice estiver avançando, se elas não tiverem conduzido uma vida virtuosa, elas tenderão a experimentar o temor do futuro, que poderá ser bastante angustiante. Dessa forma, para ter segurança completa, mesmo aqueles que não acreditam nessas coisas deveriam desenvolver a bondade. Então, quer exista ou não vida após a morte, eles estarão em paz.
Quanto àqueles que crêem, eles devem assegurar que a sua crença esteja baseada no entendimento da verdade de causa e efeito. Isto é, eles devem ver os resultados numa vida futura como conseqüência da qualidade mental desenvolvida nesta vida, enfatizando a criação de bom kamma na vida presente. Esse tipo de ênfase irá assegurar que qualquer relacionamento com uma vida futura será de confiança, baseado no presente momento. Assim, as aspirações para uma vida futura encorajarão o cuidado com a conduta no presente momento, tendo em mente o princípio: “Não importa como você se relacione com a próxima vida, não lhe dê mais importância do que a esta vida.” Deste modo, o erro de realizar ações como um tipo de investimento feito para obter lucro será evitado.
Qualquer crença numa vida futura deveria ajudar a aliviar ou completamente eliminar qualquer dependência de poderes superiores ou entidades ocultas. A crença numa vida futura significa acreditar na eficácia das próprias ações (kamma). A relação de dependência com qualquer tipo de poder externo só irá obstar o progresso na vida e o desenvolvimento pessoal. Aqueles que se deixaram cair nesse tipo de dependência deveriam se esforçar para se libertarem delas e se tornarem mais auto-suficientes.
O ideal seria tentarmos avançar para o estágio em que evitamos as ações ruins e desenvolvemos as ações boas, não importando crença ou descrença. Isso significa realizar boas ações sem a necessidade de obter um resultado em alguma vida futura e de evitar as ações ruins, mesmo sem crer em tais coisas. Isso pode ser alcançado assim:
(1) desenvolver o apreço pela integridade moral, aspirando pela bondade e desejando o melhor em todas as situações.
(2) desenvolver o apreço pela felicidade sutil advinda da paz interna através da prática de meditação e fazer disso um instrumento em si mesmo para prevenir o surgimento de estados mentais ruins e prejudiciais e para encorajar os bons. Isto porque é necessário evitar ações ruins e cultivar as boas para experimentar essa paz interna. Além disso, a paz interna é de grande ajuda na resistência à atração dos desejos sensuais, prevenindo assim a criação de formas mais extremas de kamma ruim. No entanto, com relação ao estado de paz interior, enquanto este estiver no nível mundano, é aconselhável ter cautela para não se deixar envolver ao ponto de permitir que ele se transforme num objeto de apego, interrompendo o seu progresso na prática.
(3) treinar a mente para conduzir a vida com sabedoria, compreendendo a verdade do mundo e da vida ou a verdade das condições. Isso nos permite ter um certo grau de liberdade em relação às coisas materiais ou prazeres sensuais, reduzindo dessa forma a possibilidade de praticar kamma ruim por conta deles. Nós desenvolvemos uma sensibilidade para com a vida e sentimentos dos outros, compreendendo os seus prazeres, dores e desejos, para que exista o desejo de ajudá-los ao invés de tirar proveito deles. Esse é o estilo de vida daquele que alcançou, ou está praticando para alcançar, a verdade transcendente e o Entendimento Correto transcendente. Na ausência disso, podemos viver com a fé que é a precursora dessa sabedoria, com a convicção inabalável em uma vida guiada pela sabedoria libertadora como o tipo de vida mais refinado e excelente. Esse tipo de apreço servirá como fundamento para o desenvolvimento desse tipo de vida.
Esses três princípios de prática estão conectados e suportam uns aos outros. Em particular, o ponto número (1), chanda (zelo) é necessário na realização de qualquer tipo de boa ação, portanto também é essencial nos pontos (2) concentração e (3) sabedoria.
Quando acompanhada pela prática, de acordo com estes três princípios, qualquer crença nos frutos de kamma numa vida futura servirá para encorajar e fortalecer a evitação das ações ruins e o desenvolvimento das boas. Essa crença não será mais, por si mesma, tão decisiva a ponto de, sem a expectativa por bons resultados em uma vida futura, não existir mais incentivo para praticar boas ações.
Se não for possível praticar esses três princípios, então a crença numa vida futura pode ser usada para encorajar uma vida moral, que é melhor do que deixar as pessoas viverem as suas vidas obcecadas pela busca pela gratificação sensual, que apenas serve para aumentar a exploração tanto no nível individual como social. Além disso, a crença numa vida futura é considerada como parte do Entendimento Correto mundano e dessa forma é um passo no caminho para desenvolver uma vida boa.
Tendo estabelecido uma compreensão inicial, vejamos agora um dos ensinamentos clássicos do Buda que trata dos frutos de kamma, ampliando da vida presente para uma vida futura.
"Estudante, os seres são os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascem das suas ações, estão atados às suas ações, possuem as suas ações como refúgio. São as ações que distinguem os seres entre inferiores e superiores."
l.a. Um homem ou mulher mata seres vivos, é um homicida, sanguinário, dado a golpes e violência, cruel com os seres vivos. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do corpo, após a morte, ele reaparece num estado de privação, num destino infeliz, na perdição, até mesmo no inferno. Mas se na dissolução do corpo, após a morte, ele não reaparecer num estado de privação, num destino infeliz, na perdição, no inferno e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, terá vida curta.
b. um homem ou mulher deixa de matar seres vivos, se abstém de matar seres vivos; com a vara e a arma postas de lado, gentil e afável, ele permanece compassivo em relação a todos os seres vivos. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do corpo, após a morte, ele reaparece num destino feliz, até mesmo no paraíso. Mas se na dissolução do corpo, após a morte, ele não reaparecer num destino feliz, no paraíso e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, terá vida longa.
2.a. um homem ou mulher é dado a ferir os seres com a mão, com torrões de terra, com uma vara, ou com uma faca. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do corpo, após a morte, ele reaparece num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será doentio.
b. Um homem ou mulher, não é dado a ferir seres com a mão, com torrões de terra, com uma vara, ou com uma faca. Porque ele realiza e se empenha em tal ação, com a dissolução do corpo, após a morte, ele reaparece num destino feliz...e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será saudável.
3.a. Um homem ou mulher possui um caráter raivoso e irritadiço; mesmo quando criticado apenas um pouco, ele se ofende, se torna enraivecido, hostil e ressentido e demonstra raiva, ódio e amargor. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num estado de privação… e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será feio.
b. Um homem ou mulher não possui um caráter raivoso e irritadiço; mesmo quando muito criticado, ele não se ofende, não se torna enraivecido, hostil e ressentido e não demonstra raiva, ódio e amargor. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num destino feliz…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será belo.
4.a. Um homem ou mulher é invejoso, alguém que tem inveja, ressentimento, fica enciumado com os ganhos, honrarias, respeito, reverências, saudações e veneração recebidos pelos outros. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num estado de privação… e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, não terá poder.
b. Um homem ou mulher não é invejoso, alguém que não tem inveja, ressentimento, não fica enciumado com os ganhos, honrarias, respeito, reverências, saudações e veneração recebidos pelos outros. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num destino feliz… e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, terá poder.
5.a. Um homem ou mulher não dá alimentos, bebidas, roupas, carruagens, ornamentos, perfumes, ungüentos, camas, habitações e lamparinas para os contemplativos e brâmanes. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será pobre.
b. Um homem ou mulher dá alimentos…e lamparinas para os contemplativos e brâmanes. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num destino feliz…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será rico.
6.a. Um homem ou mulher é obstinado e arrogante; ele não demonstra respeito com quem merece respeito, ele não se levanta para aqueles em cuja presença ele deve se levantar, não oferece o assento a quem merece um assento, não oferece passagem a quem se deve dar passagem e não honra, respeita, reverencia e venera alguém que deva ser honrado, respeitado, reverenciado e venerado. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, nascerá em uma classe inferior.
b. Um homem ou mulher não é obstinado e arrogante; ele demonstra respeito com quem merece respeito, ele se levanta para aqueles em cuja presença ele deve se levantar, oferece o assento a quem merece um assento, oferece passagem a quem se deve dar passagem e honra, respeita, reverencia e venera alguém que deva ser honrado, respeitado, reverenciado e venerado. Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num destino feliz…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, nascerá em uma classe superior.
7.a. um homem ou mulher ao visitar um contemplativo ou brâmane, não pergunta: 'Venerável senhor, o que é benéfico? O que é prejudicial? O que é passível de crítica? O que não é passível de crítica? O que deve ser cultivado? O que não deve ser cultivado? Que tipo de ação causará o meu próprio dano e sofrimento por muito tempo? Que tipo de ação causará o meu bem estar e felicidade por muito tempo?' Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num estado de privação…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será estúpido.
b. um homem ou mulher ao visitar um contemplativo ou brâmane, pergunta: 'Venerável senhor, o que é benéfico? ….Que tipo de ação causará o meu bem estar e felicidade por muito tempo?' Porque ele realiza e se empenha em tal ação… ele reaparece num destino feliz…e ao invés disso ele retornar ao estado humano, então onde quer que ele nasça, será sábio. [M.III.203] (MN 135)
Neste Sutta, embora se fale dos frutos numa vida futura, são as ações no momento presente, em particular aquelas que se tornaram habituais, que são enfatizadas. As ações habituais alimentam as qualidades da mente que ajudam a formar a personalidade e o caráter. Essas são as forças que produzem os resultados em direta relação com as causas. As recompensas dessas ações não são extraordinárias, tal como realizar apenas uma ação boa, um ato de generosidade, por exemplo, e receber uma recompensa ilimitada satisfazendo todos os desejos e ambições. Se esse tipo de atitude prevalecer, irá fazer apenas com que as pessoas pratiquem boas ações como um investimento, como investir o dinheiro num banco e esperar que os juros se acumulem; ou como jogar na loteria, fazendo um pequeno investimento esperando receber uma grande recompensa. Como resultado, as pessoas acabam não prestando atenção ao seu comportamento rotineiro e não se interessando em viver uma vida boa conforme explicado neste Sutta.
Em resumo, a essência do Culakammavibhanga Sutta ainda se apóia no fato de que qualquer ponderação sobre os resultados numa vida futura devem estar baseados numa firme convicção no kamma, isto é, a qualidade da mente e da conduta que está ocorrendo no presente momento. Os resultados das ações a longo prazo são derivados e relacionados com essas causas.
Um princípio básico com relação a isso pode ser resumido da seguinte forma: A atitude correta com relação a resultados de kamma em vidas futuras deve ser aquela que promova e fortaleça a inclinação pela conduta moral e desenvolvimento da sabedoria. Qualquer crença nos resultados de kamma que não fortaleça essa inclinação pelo bem, mas que, ao invés disso, fortaleça a cobiça e o desejo, deve ser interpretada como uma crença incorreta que deve ser corrigida.
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Revisado: 14 Setembro 2002
A versão original deste texto está em http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/kamma_3.htm