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O formato padrão>> 6. A Natureza
das Contaminações
Um exemplo da Origem Dependente na vida cotidiana
A descrição
da Origem Dependente dada no capítulo anterior é aquela encontrada com mais
freqüência nas escrituras e comentários. Ela busca explicar a Origem Dependente
como samsaravatta, o ciclo de renascimentos, mostrando as conexões entre
três vidas – o passado, o presente e o futuro.
Aqueles que
não concordarem com essa interpretação, ou que preferirem algo mais imediato,
poderão encontrar outras alternativas não só no Abhidhamma Pitaka, onde o
princípio da Origem Dependente é mostrado na sua totalidade em um momento
mental, como também poderão interpretar as mesmas palavras do Buda empregadas
para sustentar o modelo padrão sob um ângulo distinto, proporcionando um quadro
bastante diferente do princípio da Origem Dependente, algo que é defendido
pelos ensinamentos e referências textuais de outras fontes.
Os
argumentos empregados para defender tais interpretações são muitos. Por
exemplo, o conhecimento direto do fim do sofrimento e a vida sem aflições do
Arahant são estados que podem surgir nesta presente vida. Não é necessário
morrer antes de realizar a cessação do nascimento, envelhecimento e morte e do
mesmo modo com a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero. Essas coisas
podem ser superadas nesta mesma vida. O ciclo todo da Origem Dependente, tanto
no surgimento do sofrimento como na sua cessação, diz respeito à vida presente.
Se o ciclo puder ser claramente compreendido da forma como opera no presente,
conseqüentemente o passado e o futuro também serão compreendidos de forma
clara, porque eles são todos parte do mesmo ciclo.
Como
referência, considere as palavras do Buda:
“Udayin, se alguém fosse recordar as suas muitas vidas passadas, isto é,
um nascimento, dois nascimentos...assim, nos seus modos e detalhes, ele se
recordasse das suas muitas vidas passadas, então um dos dois, ou ele me
perguntaria sobre o passado, ou eu poderia perguntar-lhe sobre o passado e ele
poderia satisfazer a minha mente com uma resposta ou eu poderia satisfazer a
mente dele com a minha resposta. Se alguém por meio do olho divino, que é
purificado e sobrepuja o humano, vê seres falecendo e reaparecendo, inferiores
e superiores, bonitos e feios, afortunados e desafortunados... e compreende
como os seres continuam de acordo com as suas ações, então um dos dois, ou ele me perguntaria sobre o futuro ou eu
poderia perguntar-lhe sobre o futuro, e ele poderia satisfazer a minha mente com
uma resposta ou eu poderia satisfazer a mente dele com a minha resposta. Mas
deixemos de lado o passado, Udayin, deixemos de lado o futuro. Eu lhe ensinarei
o Dhamma: Quando existe isso, aquilo existe; Com o surgimento disso, aquilo
surge. Quando não existe isso, aquilo não pode existir; Com a cessação disto,
aquilo cessa.” [M.II.31](MN 79)
* * *
O chefe de família Gandhabhaga, tendo sentado a uma distância
respeitável, dirigiu-se ao Abençoado da seguinte forma, “Que o Abençoado me
ensine a origem e a cessação do sofrimento.”
O Abençoado respondeu, “Chefe de família, se eu lhe ensinasse a origem e
a cessação do sofrimento referindo-me ao passado assim, ‘No passado havia
isto,’ a dúvida e a perplexidade surgiriam em você por conta disso. Se eu lhe
ensinasse a origem e a cessação do sofrimento referindo-me ao futuro assim, ‘No
futuro haverá isto,’ a dúvida e a perplexidade surgiriam em você por conta
disso. Chefe de família, eu, aqui e agora, irei lhe ensinar, a origem e a
cessação do sofrimento, aqui e agora.” [SN.IV.327]
* * *
“Produzidas
por distúrbios da bílis, Sivaka, surgem certos tipos de sensações. Que isso
acontece, pode ser compreendido pela própria pessoa e também no mundo é aceito
como verdadeiro. Produzidas por distúrbios do muco…dos ventos…desses três
combinados…pela mudança de clima…pelo comportamento adverso…por
ferimentos…pelos resultados de Kamma – por meio de tudo isso, Sivaka, surgem
certos tipos de sensações. Que isso acontece, pode ser compreendido pela
própria pessoa e também no mundo é aceito como verdadeiro.
“Agora quando esses contemplativos e brâmanes possuem esta doutrina e
entendimento: ‘Tudo aquilo que uma pessoa experimentar, quer seja prazer, dor
ou nem prazer, nem dor, tudo é causado pelas ações passadas,’ então eles vão
além daquilo que conhecem por si mesmos e daquilo que é aceito no mundo como
verdadeiro. Portanto, eu digo que esses contemplativos e brâmanes estão
equivocados.” [SN.IV.230](SN.XXXVI.21)
* * *
“Bhikkhus, quando existe a deliberação intencional, fixa e firme em
relação a qualquer tema, esse tema se torna um objeto para sustentar a
consciência. Onde existe um objeto, a consciência tem onde se estabelecer.
Quando a consciência está assim estabelecida e desenvolvida com firmeza, o
nascimento numa nova esfera (bhava) ocorre. Quando há o surgimento numa
nova esfera de existência, nascimento, envelhecimento, morte, tristeza,
lamentação, dor, angústia e desespero seguem. Assim ocorre o surgimento de toda
essa massa de sofrimento.” [SN.II.65]
Embora esta
interpretação do princípio da Origem Dependente deva ser entendida pelo que ela
é, apesar disso não descartamos a forma estabelecida pelo modelo padrão. Então,
antes de explorar o seu significado deveríamos primeiro reiterar o modelo
padrão, adaptando as definições de acordo com esta interpretação.
1. Ignorância
– ignorância da verdade, ou das coisas como elas são; estar deludido pelas
realidades nominais; a ignorância que está por detrás das crenças; falta de
sabedoria; inabilidade em compreender o ciclo de causa e efeito.
2. Impulsos
Volitivos – atividades mentais, intenção deliberada, intenção e decisão e a
sua geração de ações; a organização da maneira de pensar de acordo com hábitos
acumulados, habilidades, preferências e crenças; o condicionamento da mente e
da maneira de pensar.
3. Consciência
– a consciência das sensações, isto é: visão, audição, olfato, paladar, toque e
cognição, o estado básico da mente de momento a momento.
4. Mentalidade-materialidade
(o organismo animado) – a presença da corporalidade e mentalidade como parte da
consciência; o estado de coordenação entre o corpo e a mente para que funcionem
de acordo com o fluxo da consciência; as mudanças corporais e mentais como
resultado dos estados mentais.
5. Os
seis meios do sentidos – o funcionamento desses meios dos sentidos.
6. Contato
– o ponto de contato entre a consciência e o mundo externo.
7. Sensação
– de prazer, de dor ou indiferença.
8. Desejo
– o desejo de buscar objetos sensuais prazerosos e de escapar dos
desprazerosos. O desejo pode ser de três tipos: desejo de ter e desfrutar,
desejo de ser e desejo de destruir ou livrar-se.
9. Apego
– apego e agarramento a sensações prazerosas ou desprazerosas, às condições
de vida que arrojam essas sensações e a avaliação e a atitude em relação a
essas coisas com base no seu potencial para satisfazer desejos.
10. Vir
a ser – todo o processo de comportamento gerado para satisfazer o desejo e
o apego (kammabhava - o processo ativo); e também as condições da vida
que resultam dessas forças (upapattibhava – o processo passivo).[14]
11. Nascimento – claro reconhecimento da emergência em um estado
de existência; identificação com estados de vida ou modos de conduta e a noção
resultante de quem os desfruta, ocupa ou experimenta.
12. Envelhecimento
e morte – a consciência da separação ou privação do eu de um estado de existência
ou identidade; a sensação de ameaça de aniquilação ou separação desses estados
de ser; e daí, a experiência resultante de tristeza, lamentação, dor, angústia
e desespero (mesmo nas suas formas mais sutis).
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2. Ignorância
como fator determinante para os impulsos volitivos: Sem conhecimento ou
consciência da verdade, sem a compreensão clara ou reflexão sábia sobre as
experiências, o resultado é o raciocínio confuso baseado na conjectura e na
imaginação e condicionado pelas crenças, temores e traços de caráter
acumulados. Como conseqüência, isso condiciona todas as decisões ao agir, falar
ou pensar.
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3. Impulsos volitivos como fatores determinantes para a consciência: Com a intenção, a consciência é condicionada
como conseqüência. Temos a tendência, (ou estamos condicionados), a ver, ouvir
e cogitar de acordo com as influências
das nossas intenções arraigadas. Além disso, o contexto dentro do qual vemos,
ouvimos ou cogitamos também estará condicionado por essas intenções. A intenção
irá conduzir a consciência a repetidamente se recordar e proliferar acerca de
certos eventos. A intenção também irá condicionar o estado de espirito básico,
ou consciência, a assumir ou qualidades finas e boas, ou grosseiras e más; a
consciência é condicionada de acordo com as intenções boas ou más.
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4. Consciência como fator determinante para a mentalidade-materialidade: A cognição, visão, audição e assim
por diante, implicam as propriedades físicas, (rupadhamma), e as
propriedades mentais, (namadhamma), que conhecemos e vemos. Além disso,
quando a consciência opera, as propriedades físicas e mentais relevantes,
(sendo elas a ‘coorte’ da consciência – os khandhas da forma, sensação,
percepção e impulsos volitivos), também precisam funcionar de acordo e de modo
coordenado com a natureza daquela consciência. Por exemplo, quando a
consciência está moldada pela raiva, as percepções que surgem como resultado
serão igualmente negativas. O corpo irá assumir características em conformidade
com a intenção hostil, tais como expressões faciais agressivas, tensão nos
músculos e pressão sangüínea alta. As sensações serão desagradáveis. Quando a
consciência assume qualquer característica em particular de forma repetida e
habitual, as propriedades mentais e físicas subseqüentes se tornarão os traços
corporais e mentais de comportamento e caráter correspondentes.
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5. Mentalidade-materialidade como fatores determinantes para os seis meios dos
sentidos: Quando a
mentalidade-materialidade funciona, os meios dos sentidos relevantes são
ativados para satisfazer a sua demanda, (buscando informação relevante ou
desfrutando de sensações). Essas portas dos sentidos irão funcionar de acordo
com os estados corporais e mentais que as condicionam.
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6. Os seis meios dos sentidos como fatores determinantes para o contato: Com o funcionamento das várias
portas dos sentidos, o contato, (phassa), o choque com elas ou a plena
consciência das sensações, surge na dependência da porta do sentido em questão
estar funcionando naquele momento.
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7. Contato como fator determinante para a sensação: Juntamente com a consciência das sensações,
tem que haver sensações de um tipo ou outro: se não prazerosa ou desprazerosa,
então neutra.
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8. Sensação como fator determinante para o desejo: Com a experiência de sensações prazerosas
segue o deleite e o apego. Isto é o desejo sensual, (kamatanha). Algumas
vezes há o desejo por uma posição da qual será possível controlar e desfrutar
dessas sensações prazerosas. Este é o desejo de ser ou por estados de ser, (bhavatanha).
As experiências que produzem sensações de desconforto ou sofrimento em geral
provocam pensamentos de aversão e o desejo de se livrar da fonte daquelas
sensações. Este é o desejo por não ser, (vibhavatanha). Entre as
sensações neutras, tais como a indiferença ou embotamento, existe um apego
sutil, de tal forma que a indiferença é considerada como uma forma sutil de
sensação agradável, propensa a evoluir para o desejo por formas mais aparentes
de prazer a qualquer instante.
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9. Desejo como fator determinante para o apego: À medida que o desejo se torna mais forte,
ele se transforma em apego, um tipo de preocupação mental, criando uma atitude
para com o objeto do desejo e a avaliação desse objeto; (com vibhavatanha,
uma avaliação negativa será formada). Uma posição fixa é adotada em relação às
coisas: se houver atração esta precipitará um efeito aglutinante, uma
identificação com o objeto da atração. Qualquer coisa conectada com aquele objeto
parecerá boa. Quando existe repulsa, o objeto daquela repulsa parece afrontar o
eu. Qualquer posição adotada em relação a essas coisas tende a reforçar o
apego, que será dirigido para, e por outro lado irá reforçar o valor de:
·
Objetos sensuais (
· Idéias e crenças (ditthi)
·
Sistemas,
modelos, práticas e assim por diante (silavatta)
·
A
crença num eu, (attavada), que irá alcançar ou será impedida de alcançar
os seus desejos
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10. Apego como fator determinante para o vir a ser: O apego condiciona bhava, estados de
vida, tanto no nível de comportamento, (kammabhava), como em relação ao
caráter e propriedades físicas e mentais, (upapattibhava). Estes
poderiam por exemplo ser o padrão de comportamento, (kammabhava), e
traços de caráter, (upapattibhava), de alguém que aspira ficar rico ou
que deseja o poder, fama, beleza, ou que odeia a sociedade e assim por diante.
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11. Vir a ser como fator determinante para o nascimento: Dada uma situação de vida para ser
ocupada e possuída, um ser surge para preenchê-la como desfrutador ou
experimentador. Essa é a sensação distinta de ocupar ou possuir aquela situação
de vida. Existe a percepção daquele que age e do que colhe os frutos das ações,
daquele que tem êxito e do que fracassa, daquele que ganha e daquele que perde.
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12. Nascimento como fator determinante para o envelhecimento e morte: O nascimento num certo estado traz
consigo de modo inevitável as experiências de prosperidade e declínio que são parte
dele. Estas incluem a iminente degeneração desse estado, as experiências de
adversidade e ruína dentro dele, a separação e a destruição dele. Existe a
constante ameaça do perigo e a necessidade constante de proteger e manter o eu.
A inevitabilidade do declínio e da dissolução, junto com a constante ansiedade
e esforço para proteger esse estado desses fatores, se combinam para causar
tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero, ou, o sofrimento.
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2. Ignorância...impulsos volitivos: Sem conhecer a verdade, conseqüentemente a mente prolifera e imagina,
como um homem que, acreditando em fantasmas, (ignorância), é amedrontrado,
(impulso volitivo), pela luz refletida dos olhos de um animal à noite; ou como
uma pessoa que especula acerca do que outra pessoa tem no seu punho cerrado; ou
como uma pessoa que acredita que os seres celestiais são capazes de criar
qualquer coisa que queiram e inventa cerimonias ou frases místicas como
súplicas; ou como alguém que, desconhecendo a verdadeira natureza das coisas
condicionadas, que são instáveis e sujeitas a fatores determinantes, as vê como
atraentes e desejáveis e deseja obtê-las e controlá-las. Enquanto algum traço
de ignorância ainda estiver presente, impulsos volitivos ou proliferação serão
produzidos.
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3. Impulsos volitivos ...consciência: Com cetana, (intenção), e com a
coloração mental, a consciência como visão, audição e assim por diante, é
condicionada em conformidade. Sem a intenção ou interesse, a consciência poderá
não surgir, mesmo numa situação em que isso seja possível. Por exemplo, quando
estamos lendo um livro envolvente, a nossa atenção não se distrai, mas apenas
admite para a consciência o assunto que está sendo objeto de leitura. Até mesmo
um ruído forte ou mordidas de mosquitos podem passar desapercebidos. Quando
estamos atentados em buscar um objeto em particular, poderemos não notar outros
objetos.
O mesmo
objeto visto em circunstâncias distintas, com intenções distintas, poderá ser
encarado de forma distinta, dependendo do contexto da intenção. Por exemplo, um
terreno vazio para uma criança pode parecer um ótimo lugar para brincar; para
um homem que tenha a intenção de construir uma casa pode parecer um bom local
para aposentadoria; para um agricultor, outras características serão
importantes, enquanto que para um industrial, ainda outras características
serão proeminentes.
Se olharmos
para o mesmo objeto em momentos distintos, no contexto de pensamentos
distintos, diferentes características irão se destacar mais. Ao pensar
pensamentos benéficos, a mente é influenciada por esses pensamentos, e
interpreta o objeto da atenção nesse contexto. Ao pensar de forma grosseira e
prejudicial, a mente toma nota disso e se dirige e interpreta o significado dos
objetos associados à atenção à luz desses pensamentos destrutivos. Por exemplo,
dentre uma coleção de objetos colocados juntos podem estar uma faca e algumas
flores. Um amante das flores poderá apenas notar as flores e nenhum dos demais
objetos que estejam colocados junto. Quanto mais intenso for o interesse e a
atração por aquelas flores, mais intensa será a atenção dirigida a elas
excluindo todo o restante. Uma outra pessoa que esteja buscando uma arma poderá
apenas notar a faca. No caso de várias pessoas vendo a mesma faca, uma poderá
ter a percepção de uma arma, enquanto que outra poderá ter a percepção de um
utensílio de cozinha, enquanto que uma outra poderá vê-la como uma peça de
ferro velho, tudo dependendo do referencial e da intenção do observador.
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4. Consciência...Mentalidade-materialidade: A consciência e a mentalidade-materialidade
são interdependentes, tal como dito pelo Venerável Sariputta:
“É como se dois feixes de junco estivessem em pé se apoiando um no
outro. Da mesma forma, da mente-corpo como requisito necessário surge a
consciência, da consciência como requisito necessário surge a mente-corpo. Se
alguém tirasse um dos feixes de junco, o outro cairia. Se alguém tirasse o
outro, o primeiro cairia. Da mesma forma, da cessação da mente-corpo ocorre a
cessação da consciência. Da cessação da consciência ocorre a cessação da
mente-corpo.” [SN.II.114] (SN.XII.67)
Nesse
contexto, com o surgimento da consciência, a mentalidade-materialidade surge e
tem que surgir. Como os impulsos volitivos condicionam a consciência, estes
também condicionam a mentalidade-materialidade, mas como a
mentalidade-materialidade depende da consciência para sua existência, pois são
propriedades da consciência, diz-se
que: “os impulsos volitivos condicionam a consciência e a consciência
condiciona a mentalidade-materialidade.” Assim podemos analisar a forma como a
consciência condiciona a mentalidade-materialidade da seguinte forma:
1. Quando
se diz que a mente percebe alguma sensação em particular, tal como ao ver ou
ouvir, na verdade é apenas a cognição da mentalidade-materialidade
(especificamente os khandhas da forma, sensação, percepção e impulsos
volitivos). Tudo que existe no nível experiencial é aquilo que é percebido pela
consciência momento a momento, as propriedades físicas e mentais aparentes para
os sentidos. Quando há cognição, as propriedades mentais e físicas relativas
que são experimentadas existem. A existência de uma rosa, por exemplo, é a
cognição pelo sentido visual naquele momento. Exceto por isso, não há uma
‘rosa’ como tal, a não ser como um conceito na mente. A ‘rosa’ não é
independente das sensações, percepções e conceitos que ocorrem naquele momento.
Assim, quando há consciência, a mentalidade-materialidade também estará ali de
forma simultânea e independente.
2. A
mentalidade-materialidade, especialmente as qualidades mentais que dependem de
um certo momento de consciência irão assumir qualidades em harmonia com aquela
consciência. Sempre que as atividades mentais, ou impulsos volitivos forem
positivos (benéficos ou hábeis), a consciência resultante deles será por
conseqüência clara e alegre e a expressão corporal será espirituosa. Quando os
impulsos volitivos são negativos (prejudiciais ou inábeis) eles levam à
percepção de sensações sob uma perspectiva dura e prejudicial. O estado mental
será negativo e a expressão corporal e o comportamento serão influenciados de
forma correspondente. Nesse estado, os fatores constituintes, tanto mentais
como físicos, estão num estado de alerta para agir em conformidade com os
impulsos volitivos que condicionam a consciência. Quando há um sentimento de
amor e afeição (impulso volitivo) surge a cognição de sensações prazerosas
(consciência), a mente (nama) estará brilhante e alegre, como a
expressão facial (rupa). Com a raiva existe a cognição de sensações
desprazerosas, a mente ficará deprimida e a expressão facial será mal humorada
e agressiva.
No campo
esportivo, o jogador de futebol foca sua atenção e interesse no jogo em
disputa. A sua atenção surge e cessa com intensidade proporcional à força do
interesse dele no jogo. Todos os componentes necessários do corpo e mente estão
preparados para funcionar e realizar as suas tarefas tal como direcionado. A
inter-relação neste caso se refere e inclui o contínuo surgimento e cessação de
mentalidade-materialidade (ou propriedades físicas e mentais). As propriedades
ativas da mentalidade-materialidade convergem para formar o estado geral do ser
conforme direcionado pela consciência e pelos impulsos volitivos (observe a
similaridade com bhava).
Todos os
eventos que ocorrem neste estágio são passos importantes na geração de kamma e
dos seus resultados. O ciclo, ou valla, completou uma pequena rotação
(ignorância é contaminação ou kilesa;
impulsos volitivos são kamma; a consciência e a mentalidade-materialidade
são resultados de kamma ou vipaka ) e está se preparando para iniciar um
novo ciclo. Este é um estágio importante na formação de hábitos e
características.
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5. Mentalidade-materialidade...seis meios dos sentidos: A mentalidade-materialidade
precisa funcionar através da consciência do mundo exterior, e junto com a
experiência adquirida previamente será por sua vez usada a serviço da intenção
ou impulsos volitivos. Assim, os componentes da mentalidade-materialidade que
servem como transmissores e receptores das sensações, (os meios dos sentidos),
estão num estado de alerta para funcionar de acordo com os seus fatores
determinantes. Por exemplo, no caso do jogador de futebol no campo, os órgãos
dos sentidos responsáveis por receber as sensações diretamente concernentes ao
esporte que está sendo praticado, tais como o olho e o ouvido, serão preparados
para receber essas sensações. Ao mesmo tempo, aqueles sentidos não concernentes
de imediato, como o paladar ou o olfato, estarão dormentes ou num estado de
atividade suspensa.
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6. Os seis meios dos sentidos...contato: A atenção surge através dos meios dos
sentidos, baseada na coordenação de três fatores: os meios dos sentidos internos,
(olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente); objetos sensuais externos,
(visões, sons, aromas, sabores, tangíveis e impressões mentais); e consciência
(através do olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente). A atenção surge em
conformidade com cada meio do sentido em particular.
6 =>
7. Contato...sensação:
Sempre que há o contato tem que haver a experiência de um entre três tipos de
sensações: conforto ou prazer, (sukhavedana); desconforto ou dor (dukkhavedana);
ou indiferença, nem prazer nem dor, (upekkha ou adukkhamasukhavedana).
Do terceiro ao sétimo elo, isto é, de consciência até sensação, é conhecido
como o segmento vipaka, ou
resultado de kamma, do ciclo da Origem Dependente. Os elos 5, 6 e 7, em
particular, não são nem benéficos nem prejudiciais em si mesmos, mas podem ser
os catalisadores para o surgimento de pensamentos e ações benéficas ou
prejudiciais.
7 =>
8. Sensação...desejo:
Quando uma sensação prazerosa é experimentada, o desejo em geral vem em seguida.
Com a sensação desprazerosa, a reação é de estresse, o desejo de fazer com que
o objeto desagradável seja removido ou aniquilado. Também há o desejo de buscar
a distração nas sensações prazerosas. As sensações neutras, ou indiferentes,
induzem a uma condição de embotamento ou complacência. Ambos são formas sutis e
deludidas de sensações prazerosas às quais a mente tende a se apegar. Elas
também podem agir como catalisadoras para a geração de desejo por mais
sensações prazerosas.
O desejo
pode ser dividido em três tipos distintos, assim:
1. Kamatanha – Desejo por objetos sensuais.
2. Bhavatanha – ‘Desejo de ser,’ desejo por situações de vida em
particular; num nível mais profundo, isto inclui o instinto pela vida e o
desejo em manter uma certa condição ou identidade.
3. Vibhavatanha – ‘Desejo de não ser,’ o desejo de escapar ou se
ver livre de objetos ou situações desagradáveis; este tipo de desejo em geral
se expressa por meio de sentimentos como o desespero, depressão, ódio de si
mesmo e auto-piedade.[15]
O desejo, portanto, aparece sob três formas principais: como desejo por
objetos sensuais, desejo por situações de vida e desejo de se livrar de
situações desagradáveis. Esta última forma de desejo é particularmente evidente
quando os desejos são frustrados ou contrapostos e se expressa por meio do
ressentimento, raiva e agressão.
8 =>
9. Desejo...apego:
Os objetos do desejo se tornam objetos de apego, quanto mais intenso for o
desejo, tanto mais intenso será o apego. O desejo evolve para atitudes e
valores específicos. Com a sensação desagradável, o apego se manifesta como uma
aversão obsessiva em relação ao objeto daquela sensação e um desejo obsessivo
de encontrar uma escapatória dele. Dessa forma, existe apego a objetos dos
sentidos, a situações de vida que podem proporcioná-los, a identidades,
opiniões, teorias e métodos de como obtê-los e ao conceito ou imagem de um eu
que desfruta ou sofre com essas situações.
9 =>
10. Apego...vir a ser:
O apego naturalmente afeta a vida de uma forma ou de outra e os seus efeitos
ocorrem em dois níveis. Primeiro, o apego amarra o eu ou faz com que ele se
identifique com situações particulares na vida, que se acredita poderem ou
satisfazer os desejos, ou proporcionar os meios para escapar das coisas que não
são desejadas. Se existem situações desejadas, naturalmente existirão situações
não desejadas. Esse tipo de situações de vida que são agarradas são chamadas upapattibhava.
O apego a
qualquer situação de vida irá produzir pensamentos ou intenções ou para que ela
se torne realidade, ou para evitá-la. Esses pensamentos incluirão as
maquinações para inventar meios e maneiras de realizar aqueles desejos. Todos
esses pensamentos e atividades são moldados pela direção e forma de apego. Isto
é, eles operam sob a influência de atitudes, crenças, entendimentos, valores e
gostos ou desgostos acumulados.
Alguns
exemplos simples:
·
Desejo
pelo renascimento num plano celestial irá causar o apego a ensinamentos,
crenças ou práticas que se acredita serem capazes de efetuar tal renascimento,
e o comportamento será condicionado de modo correspondente.
·
O
desejo pela fama irá produzir o apego aos valores e ao comportamento relevante
que se pressupõe necessários para alcançar a fama, e ao eu que irá alcançá-la.
O comportamento resultante será condicionado por aquele apego.
·
O
desejo de adquirir posses que pertencem a outrem irá condicionar os pensamentos
de forma correspondente. O apego habitua o padrão de pensamento que poderá em
algum momento, para aquele que lhe falte circunspecção ou consciência moral,
levar ao roubo. O objetivo original de se tornar um proprietário se transforma
na realidade na existência de um ladrão. Dessa forma, através da busca para
obter objetos dos desejos, as pessoas irão ou criar ações inábeis e desenvolver
hábitos ruins, ou criar ações hábeis e desenvolver a virtude, dependendo da
natureza das suas crenças e entendimento.
O padrão
de comportamento específico resultante da influência do apego, incluindo a natureza
dos eventos também condicionados, é chamado kammabhava (ações que
condicionam o renascimento). As situações de vida que resultam desses
modos de comportamento, quer sejam desejadas ou não, são chamadas upapattibhava
(estados de renascimento).
Este
estágio do ciclo da Origem Dependente é essencial na criação de kamma e dos
seus resultados, e a longo prazo desempenha um papel crucial no desenvolvimento
de hábitos e traços de caráter.
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11. Vir a ser...nascimento: Neste ponto surge o distinto sentimento de um eu, uma identificação
com uma certa situação ou condição, desejada ou não desejada. Na linguagem do
Dhamma poderíamos dizer que um ser surgiu dentro daquele estado (bhava), resultando no sentimento de
alguém que é um ladrão, um proprietário, um sucesso, um fracasso, um joão
ninguém e assim por diante. No caso da pessoa comum, o nascimento, ou o
surgimento da noção do eu, pode ser observado com mais facilidade em tempos de
discórdia, quando o apego tende a surgir de maneiras extremadas. Nas discussões,
mesmo em debates intelectuais, se as contaminações forem usadas no lugar da
sabedoria, uma distinta noção de um eu surgirá na forma de pensamentos tais
como, ‘eu sou superior,’ ‘eu sou o chefe,’ ‘ele é o meu subordinado,’ ‘ele é
inferior,’ ‘essa é a minha opinião,’ ‘minha opinião está sendo refutada,’
‘minha autoridade está sendo questionada’ e assim por diante. Todas essas são
situações em que a identidade está sendo desacreditada ou ameaçada. O
nascimento é portanto mais evidente nos momentos de jaramarana, decadência e morte.
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12. Nascimento…envelhecimento e morte: Dado um eu que ocupa ou assume uma certa
posição, segue que esse eu será cedo ou tarde privado ou separado daquela
posição. O eu é ameaçado pela alienação, frustração, desgraça, conflito e
fracasso. Embora ele busque manter sua posição de modo indefinido, tudo que
surge tem que experimentar a decadência e a dissolução de forma inevitável.
Mesmo antes da dissolução ter início, o eu estará cercado pela ameaça da
perdição iminente. Isso intensifica o apego a situações de vida. O temor da
morte surge da consciência do perigo. O temor da morte e da dissolução estão
incrustados profundamente dentro da mente e estão sempre influenciando o
comportamento humano, causando neuroses, insegurança,
a luta
desesperada e intensa por situações de vida desejadas e o desespero face ao
sofrimento e a perda. Assim, para a pessoa comum, o temor da morte assombra
toda a felicidade.
Nesse
contexto, quando o eu emerge em qualquer situação de vida não desejada, está
privado de uma situação desejada ou ameaçado por essa possibilidade, ele fica
com o desapontamento e a frustração ou, no idioma Pali, soka (tristeza), parideva
(lamentação), dukkha (dor), domanassa (angústia) e upayasa (desespero). Cercado por todo
esse sofrimento, o resultado é a distração e a confusão que são funções da
ignorância. A maioria dos esforços para aliviar o sofrimento são portanto
dirigidos pela ignorância e assim o ciclo continua.
Um exemplo
simples: Para uma pessoa comum que vive num mundo competitivo, o sucesso não se
esgota no mero fenômeno social do sucesso, com todos os seus adornos, mas
inclui o apego à identidade de ser uma pessoa bem sucedida, que é um ‘vir a
ser,’ ou estado de vida (bhava). Às
vezes o sentimento do eu irá se manifestar através de pensamentos como “eu sou
um sucesso,” que na verdade significa “eu nasci (jati) como uma pessoa bem sucedida.” No entanto, esse sucesso, no
seu sentido mais completo, depende de condições externas, tais como a fama,
elogio, alcançar privilégios especiais, admiração e reconhecimento. Nascimento
como um “sucesso,” ou “ser bem sucedido,” depende não somente do reconhecimento
e admiração dos outros, mas da presença de um derrotado, alguém à custa da qual
o sucesso será obtido. Assim que um ser bem sucedido nasce, ele ou ela está
ameaçado com o desaparecimento, anonimidade e perda. Nessa situação, todos os
sentimentos de depressão, preocupação e decepção que não foram tratados de
forma adequada por meio da atenção plena e da clara compreensão irão se
acumular no subconsciente e irão exercer influência no comportamento
subseqüente de acordo com o ciclo da Origem Dependente.
Sempre que
ocorre o surgimento do conceito de um eu, existe a ocupação de espaço; onde
existe ocupação de espaço, tem que haver uma fronteira ou limite; quando há
limite, tem que haver separação; quando há separação tem que haver a dualidade
de ‘eu’ e ‘não-eu.’ O eu irá crescer e se estender para fora através do desejo
para realizar, para agir e impressionar os demais. No entanto, não é possível
que o eu cresça indefinidamente de acordo com os seus desejos. O eu em expansão
irá de modo inevitável encontrar obstáculos de uma forma ou de outra e os
desejos serão frustrados, se não por parte do exterior, então por parte do
interior. Se a pessoa tiver alguma sensibilidade para com a auto-estima dos
outros, o obstáculo irá surgir sob a forma do próprio senso de consciência. Se
não houver a supressão desses desejos e se for permitido que eles se expressem
totalmente, a oposição irá surgir de fontes externas. Mesmo se fosse possível
se entregar a cada desejo na sua totalidade, tal atividade causaria o
enfraquecimento. Ela apenas serve para aumentar o poder do próprio desejo,
junto com o seu assistente, o sentimento de vazio. O desejo não somente cresce
na dependência de fatores externos, mas ele também faz crescer o conflito
interno. Quando os desejos não são satisfeitos, a tensão, conflito e desespero
são o resultado natural.
Tomemos um
exemplo simples de como o princípio da Origem Dependente opera na vida
cotidiana. Suponha que existem dois colegas de escola chamados ‘João’ e ‘José.’
Sempre que eles se encontram na escola eles sorriem e dizem “Olá” um ao outro.
Um dia João vê José e se aproxima dele com uma saudação amigável preparada, e
só obtém o silêncio e uma expressão azeda como resposta. João se aborrece com
isso e deixa de conversar com José. Neste caso, a cadeia de reações poderia
evoluir da seguinte forma:
1. Ignorância
(avijja):
João desconhece a verdadeira razão da careta e do silêncio de José. Ele falha
na reflexão com sabedoria sobre o assunto e na averiguação das verdadeiras
razões para o comportamento de José, que poderia não ter nenhuma relação com os
sentimentos dele por João.
2. Impulsos Volitivos (sankhara):
Como resultado, João prossegue pensando e formulando teorias na sua mente,
condicionadas pelo seu temperamento e essas dão origem à dúvida, raiva,
ressentimento, mais uma vez na dependência do seu temperamento.
3. Consciência (viññana):
Sob a influência dessas contaminações, João segue pensando. Ele presta muita
atenção e interpreta o comportamento e as ações de José de acordo com essas impressões anteriores; quanto
mais ele pensa a respeito, mais certeza ele tem; cada gesto de José parece
ofensivo.
4.
Mentalidade-materialidade (namarupa): Os sentimentos, pensamentos, estados de
espírito, expressões faciais e gestos de João, isto é, o corpo e mente
combinados, começam a assumir as características gerais de uma pessoa
enraivecida e ofendida, preparada para agir de acordo com essa consciência.
5. Meios
dos sentidos (salayatana): Os órgãos dos sentidos de João estão preparados para receber uma
informação que está relacionada e condicionada pela mentalidade-materialidade
no seu estado de raiva e mágoa.
6.
Contato (phassa): O choque nos órgãos dos sentidos será das atividades ou atributos de
José que parecem ser em particular relevantes ao caso, tais como olhares
carrancudos, gestos hostis e assim por diante.
7.
Sensação (vedana): Sensações, condicionadas pelo contato sensual, são do tipo
desagradável.
8.
Desejo (tanha): Vibhavatanha, desejo de não ser,
surge o desgosto ou aversão em relação àquela imagem ofensiva, o desejo que ela
desapareça ou seja destruída.
9. Apego
(upadana):
Segue o apego e o pensamento obsessivo em relação ao comportamento de José. O
comportamento de José é interpretado como um desafio direto; ele é visto como
um disputador e aquela situação exige algum tipo de ação corretiva.
10. Vir
a ser (bhava):
O comportamento subseqüente de João está sob a influência do apego e as suas
ações se tornam antagônicas.
11.
Nascimento (jati): À medida que o sentimento de inimizade se torna mais distinto, ele é
assumido como uma identidade. A distinção entre ‘eu’ e ‘ele’ se torna mais
evidente e existe um eu que é obrigado a responder de alguma forma à situação.
12.
Envelhecimento e morte (jaramarana): Esse ‘eu,’ ou condição de inimizade, existe e
prospera dependendo de certas condições, tais como o desejo de aparentar ser
durão, preservar a honra e o orgulho e de ser o vitorioso, sendo que todos
possuem o seu respectivo oposto, tais como sentimentos de inutilidade,
inferioridade e fracasso. Assim que aquele eu surge, ele é confrontado com a
falta de qualquer garantia de vitória. Mesmo se ele obtiver a vitória que
deseja, não há garantia por quanto tempo João será capaz de preservar a sua supremacia. Ele pode, na verdade, não ser o ‘vencedor
durão’ que deseja ser, mas ao invés disso o derrotado, o fracote, aquele que se
ridiculariza. Essas possibilidades de sofrimento brincam com o estado de
espírito de João e produzem estresse, insegurança e preocupação. E estas por
seu turno alimentam a ignorância, começando assim uma nova rotação do ciclo.
Esses estados negativos são como feridas supuradas que não foram tratadas e
assim continuam a desprender o seu efeito ‘venenoso’ na consciência de João,
influenciando todo o seu comportamento e causando problemas tanto para ele
mesmo como para os outros. No caso de João, ele poderá se sentir infeliz por
todo aquele dia, falando de forma grosseira com quem quer que tenha contato com
ele e assim aumentando a possibilidade de mais incidentes desagradáveis.
Neste caso,
se fosse para o João praticar da forma correta ele seria aconselhado a começar
com o pé direito. Vendo o mal humor do amigo, ele poderia usar sua inteligência (yoniso-manasikara:
aplicando a atenção de acordo com causas e condições) e refletir que José
deveria ter algum problema em mente – ele poderia ter sido censurado pela mãe,
ele poderia estar precisando de dinheiro ou ele poderia simplesmente estar
deprimido. Se João refletisse dessa maneira nenhum incidente teria ocorrido, a
sua mente estaria despreocupada e ele poderia até mesmo ser levado a agir com
compaixão e entendimento.
Uma vez que
a cadeia de eventos tenha sido colocada em movimento, ela pode, no entanto, ser
interrompida através da atenção plena em qualquer ponto. Por exemplo, se a
cadeia de eventos prosseguisse até o
contato sensual, onde as ações de José foram percebidas de forma negativa, João
ainda poderia ter aplicado a atenção plena exatamente naquele ponto: ao invés
de cair sob o poder do desejo de não ser, ele poderia, ao invés disso,
considerar os fatos da situação e dessa forma obter um outro entendimento do
comportamento de José. Ele poderia então refletir de forma sábia em relação a
ambas as atitudes, as suas e aquelas do seu amigo, de modo que a sua mente não
ficasse oprimida por reações emocionais negativas, mas ao invés disso,
respondesse de uma forma mais clara e positiva. Esse tipo de reflexão, além de
não criar problemas para ele mesmo também poderia servir para encorajar o
surgimento da compaixão.
Antes de
deixarmos de lado este exemplo, poderia ser de ajuda reiterar alguns pontos
importantes:
Em todo
caso, os exemplos dados aqui são bastante simplificados e podem parecer um
tanto superficiais. Eles não estão detalhados o suficiente para transmitir a
completa sutileza do princípio da Origem Dependente, em especial naquelas
seções da ignorância como fator determinante para os impulsos volitivos, e
tristeza, lamentação e desespero condicionando mais uma rotação do ciclo. Olhando
para o nosso exemplo, pode parecer que o ciclo apenas surge às vezes, que a
ignorância é um fenômeno esporádico e que a pessoa comum pode passar longos
períodos da sua vida sem o surgimento da ignorância. Na verdade, para o ser não
iluminado, a ignorância em graus variados se encontra por trás de cada
pensamento, ação e palavra. O nível mais básico dessa ignorância é simplesmente
a percepção de que existe um eu que está pensando, falando e agindo. Se esse
aspecto não estiver presente na mente, a verdadeira relevância dos ensinamentos
para a vida diária terá sido negligenciada. Por essa razão alguns dos aspectos
mais profundos dessa cadeia de eventos serão examinados a seguir em mais
detalhe.
Início >> 4.
O formato padrão>> 6. A Natureza
das Contaminações
Notas:
14. O termo upapattibhava provém do Abhidhamma. Nos Suttas o
termo é patisandhipunnabhava (veja Nd2 569). [Retorna]
15. Os estudiosos estão divididos quanto à interpretação de bhavatanha
e vibhavatanha. Dois ou três grupos de definições desses termos são
dadas no Tipitaka e nos Comentários (Vbh.365; Vism.567) Alguns estudiosos
comparam bhavatanha com o instinto pela vida ou desejo pela vida
Freudiano e vibhavatanha com o instinto pela morte ou desejo pela morte.
(Veja M. O'c. Walshe, Buddhism for Today, Allen and Unwin,
Revisado: 18 Janeiro 2003