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O
ensinamento sobre a Origem Dependente faz parte daquilo que é conhecido como o
Ensinamento do Meio, (majjhena-dhammadesana). Ele é ensinado como uma
verdade natural, impessoal, uma descrição da natureza das coisas tal como elas
são, evitando as teorias extremas ou idéias preconceituosas que os seres
humanos costumam criar como resultado das suas percepções distorcidas do mundo,
dos seus apegos e desejos. O ciclo da Origem Dependente que descreve a
problemática do sofrimento humano ocorre em duas partes: a primeira parte,
chamada samudayavara, (modo de origem), é uma descrição do surgimento do
sofrimento que corresponde à segunda Nobre Verdade, a causa do sofrimento; a
segunda parte, chamada nirodhavara, (modo de cessação), é uma descrição
da cessação do sofrimento que corresponde à terceira Nobre Verdade.
Em
essência, então, o Ensinamento do Meio [23] descreve
dois processos:
1. Samudaya: O modo de origem do ciclo da
Origem Dependente: ignorância => impulsos volitivos...vir a ser =>
nascimento => envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e
desespero = o surgimento do sofrimento.
2. Nirodha: O modo de cessação do ciclo da
Origem Dependente: cessação da ignorância => cessação dos impulsos volitivos
=> cessação da consciência...cessação do envelhecimento e morte, tristeza,
lamentação, dor, angústia e desespero = a cessação do sofrimento.
A razão
pela qual precisamos lidar com a causa do sofrimento, (samudaya), é
porque somos confrontados com um problema, (dukkha), cuja solução
demanda a investigação da sua causa.. Quando a causa do sofrimento é
compreendida, reconhecemos que a solução do problema consiste na erradicação
dessa causa.
Dessa forma
é descrito o processo de cessação do sofrimento, (nirodha). No
Ensinamento do Meio, a cessação do sofrimento inclui não somente o processo
para produzir a cessação do sofrimento, mas também o estado de cessação em si,
que é Nibbana.
Uma
discussão sobre o tema do sofrimento, a causa do sofrimento, o processo de
cessação do sofrimento e o estado de cessação do sofrimento, pode parecer uma
descrição abrangente dos ensinamentos do Buda, mas na verdade não é. Isto
porque o Ensinamento do Meio descreve apenas fenômenos naturais que operam de
acordo com causas e condições naturais. Ele não está direcionado para a
aplicação prática. É por isso que o processo de cessação do sofrimento, ou nirodha,
que faz parte do Ensinamento do Meio, é simplesmente uma descrição de fenômenos
impessoais e do seu funcionamento inter-relacionado para produzir a cessação do
sofrimento. Ele não aborda de forma nenhuma os detalhes da aplicação prática.
Ele simplesmente afirma que para realizar o objetivo, a cessação do sofrimento,
os fatores devem progredir daquela forma, mas não menciona o que precisamos
fazer para que esse processo ocorra. O Ensinamento do Meio é apenas uma
descrição do processo natural que faz parte da ordem natural. Estudar a
mecânica do processo da cessação pode conduzir à compreensão dos princípios
básicos envolvidos, mas ainda nos faltará a orientação prática. Que métodos
existem para a realização dessa solução de problemas que estivemos estudando?
Esse é o ponto em que o processo natural tem que ser conectado com a aplicação
prática.
É
imperativo que a aplicação prática esteja em conformidade e em harmonia com o
processo natural – é preciso que ela opere de acordo com o processo natural
para produzir resultados. O princípio vigente neste caso é, primeiro, conhecer
e compreender o processo natural e daí praticar de acordo com um método
desenvolvido de acordo com as habilidades humanas, baseado naquele conhecimento
e compreensão. Em outras palavras, no que diz respeito ao processo natural,
nossa única tarefa é de conhecê-lo, enquanto que com relação à prática, a nossa
responsabilidade é de formular técnicas que estejam em conformidade com aquele
entendimento, e dessa forma gradualmente passar do mero conhecimento do
processo natural para a aplicação prática.
A prática,
técnicas e métodos de prática neste contexto, são conhecidos pelo termo
especializado patipada – os métodos de prática, o modo de vida ou estilo
de vida que conduzem à cessação do sofrimento. O Buda definiu métodos de
prática que estão em harmonia com o processo natural, ou Ensinamento do Meio, e
chamou essa prática de Caminho do Meio (majjhima patipada), que consiste
de técnicas equilibradas, em conformidade com o processo natural e
perfeitamente sintonizadas para efetuar a cessação do sofrimento. O Caminho
evita os dois extremos da submissão à sensualidade e da auto-mortificação que
leva à estagnação ou desvio do verdadeiro objetivo.
O Caminho
do Meio é conhecido de forma concisa como magga, o Caminho. Como esse
Caminho possui oito elementos ou componentes e transforma aquele que o percorre
com êxito em uma pessoa nobre (ariya), ele também é conhecido como o
Nobre Caminho Óctuplo. O Buda afirmou que esse Caminho, esse Caminho do Meio,
foi um caminho respeitado ao longo de gerações e que muitos o percorreram no
passado e alcançaram o objetivo. O Buda foi apenas o mero descobridor e
revelador desse antigo caminho. A sua
tarefa foi de simplesmente indicá-lo para os outros. [SN.II.106] (SN XII.65)
O Caminho é
uma técnica para a realização do objetivo, que é a cessação do sofrimento em
conformidade com o processo natural. Ele opera dentro de causas e condições,
guiando-as para interagirem e produzirem o resultado desejado. Quando falamos
do Caminho, não estamos mais nos referindo a um processo impessoal de cessação
do sofrimento, mas de uma técnica desenvolvida pelas habilidades humanas, o
Caminho Óctuplo. Em outras palavras, transcendemos o nível do conhecimento e
entramos no campo da aplicação prática.
Para
compreender essa transferência de um processo natural para uma técnica
formulada, poderemos empregar o seguinte modelo:
Nirodha: cessa a ignorância => cessam os impulsos
volitivos => cessa a consciência => cessam a mentalidade-materialidade
=> cessam os meios dos sentidos => cessa o contato => cessa a sensação
=> cessa o desejo => cessa o apego => cessa o vir a ser => cessa o
nascimento=> cessam o envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor,
angústia e desespero => a cessação do sofrimento
Magga: Entendimento Correto, Pensamento
Correto, Linguagem Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto, Esforço
Correto, Atenção Plena Correta, Concentração Correta => cessação do
sofrimento
Podemos
resumir a conexão entre o processo natural da cessação do sofrimento e as
técnicas humanas para implementá-lo, conhecidas como o Caminho, da seguinte
forma:
O Caminho surge do uso do
conhecimento do processo natural da cessação para formular um método de
prática. É essencial de certa forma conhecer e compreender esse processo
natural e essa é a razão porque o Caminho inicia com o Entendimento Correto.
O Caminho recomenda técnicas de prática que podem ser adaptadas a qualquer época e lugar. Que podem ser explicadas em muitos níveis, do mais simples ao mais complexo. Os oito fatores do Caminho podem ainda ser divididos em muitos sub-elementos, fazendo com que o caminho da prática se torne bastante complexo. O Caminho é uma técnica que gradualmente conduz ao estado em que não há problemas, mais lentamente ou mais rapidamente, de maneira mais ou menos eficaz, de acordo com o nível de prática empregada.
O Caminho é um sistema graduado de prática, resultado da criação
humana, que conta com a gradual acumulação de bondade para superar o poder das
condições ruins, que obstruem ou detêm a realização do objetivo. Por essa razão
o Caminho enfatiza, especialmente nos estágios iniciais, o abandono do mal e o
cultivo do bem.
O Caminho pode ser comparado com as técnicas práticas para
extinguir um incêndio, que precisam operar de acordo com os princípios
naturais. Estes envolverão formas de
privar o incêndio de combustível, privá-lo de oxigênio ou reduzir a
temperatura. Quando esses três princípios simples são transferidos para a
aplicação prática, eles se convertem em grandes preocupações: técnicas precisam
ser desenvolvidas e dispositivos inventados para esse objetivo. Por exemplo, o
tipo de material e ferramentas que serão usados precisam ser avaliados levando
em conta se o incêndio tem como causa eletricidade, petróleo, gás ou fogo
comum, e as técnicas empregadas em cada caso precisam ser as mais adequadas.
Pode ser que as pessoas tenham que ser especialmente treinadas com o objetivo
de extinguir incêndios.
Usando uma outra analogia, a cessação pode ser comparada com os
princípios para a cura de uma enfermidade, que descrevem a cura por meio da
remoção da causa, como ao destruir a bactéria que tenha causado a enfermidade,
a remoção do veneno ou matéria estranha do corpo ou a resolução do mal
funcionamento ou degeneração dos órgãos do corpo. O Caminho pode ser
comparado com as técnicas e métodos usados para curar uma enfermidade.
Comparados ao Caminho, os princípios para a cura de uma enfermidade parecem
minúsculos. As técnicas para curar as enfermidades são muito variadas,
começando com a observação dos sintomas da enfermidade, o diagnóstico, a
aplicação de medicamentos, as técnicas de cirurgia, de enfermagem e de
fisioterapia; a invenção e produção de instrumentos cirúrgicos; a construção de
hospitais e casas de repouso; o sistema de administração hospitalar e o
treinamento de médicos e enfermeiras – apenas para mencionar alguns – que no
seu conjunto apresentam um quadro vasto e complexo.
Embora se diga
que o Caminho do Meio tenha oito elementos, esses elementos são apenas os
fundamentos, e eles podem ser divididos em muitos outros fatores e
classificados em inúmeros sistemas distintos e níveis de acordo com distintos
objetivos, situações e temperamentos. Portanto, existem ensinamentos altamente
detalhados em grande quantidade
que lidam com o Caminho e que requerem uma grande quantidade de estudo. O
Caminho do Meio é um tema amplo que merece uma explicação em separado. O seu
estudo pode ser dividido em duas seções principais: primeiro, aquela que lida
com os elementos do Caminho, que é o sistema básico e outra que define e
analisa esses elementos sob várias formas para uso em circunstâncias
especializadas. Aqui lidaremos apenas com uma descrição básica dos elementos do
Caminho.
Antes de
começar a descrever o Caminho em si, vamos primeiro revisar algumas maneiras
para ilustrar o avanço de um estado natural para uma aplicação prática ou de um
processo natural para uma técnica humana.
Nos textos,
estes dois tipos de prática são descritos:
1. Miccha-patipada, prática incorreta ou caminho
incorreto, sendo o caminho que conduz ao sofrimento.
2. Samma-patipada, prática correta ou caminho
correto, sendo o caminho que conduz à cessação do sofrimento.
Em alguns
lugares, o modo de origem do ciclo da Origem Dependente é chamado miccha-patipada
e o modo de cessação é chamado samma-patipada,
representados da seguinte forma:
Miccha-patipada: ignorância => impulsos
volitivos => consciência => materialidade-mentalidade => meios dos
sentidos => contato => sensação => desejo => apego => vir a ser
=> nascimento => envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor,
angústia e desespero => sofrimento.
Samma-patipada: cessação da ignorância =>
cessação dos impulsos volitivos => cessação da consciência => cessação da
materialidade-mentalidade => cessação dos meios dos sentidos => cessação
do contato => cessação da sensação => cessação do desejo => cessação
do apego => cessação do vir a ser => cessação do nascimento =>
cessação do envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e
desespero => cessação do sofrimento. [SN.II.4]
Em outro
texto, no entanto, o Buda explica as práticas que se opõem diretamente ao
Caminho Óctuplo como sendo miccha-patipada
e o Caminho Óctuplo em si como sendo samma-patipada,
portanto:
Miccha-patipada: Entendimento Incorreto, pensamento incorreto,
linguagem incorreta, ação incorreta, modo de vida incorreto, esforço incorreto,
atenção plena incorreta, concentração incorreta.
Samma-patipada: Entendimento correto, pensamento correto,
linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção
plena correta, concentração correta.[SN.V.18]
O ciclo da
Origem Dependente é a descrição de um processo natural, não um caminho de
prática. No entanto, o primeiro conjunto de práticas corretas e incorretas
descritas acima, descrevem a prática em relação ao ciclo da Origem Dependente.
Há uma contradição nisso? O que pode ser respondido é que o ciclo da Origem
Dependente ilustrado nesse caso (e
ele é mostrado como um modo de prática apenas nesse Sutta) procura descrever
uma aplicação prática. Os Comentadores desse Sutta colocam a questão: a
ignorância pode ser uma condição para boas ações ou mérito, (puññabhisankhara), ou servir para gerar
um estado de concentração muito estável, (aneñjabhisankhara);
porque então chamar de prática incorreta? Respondendo a essa questão, os
Comentadores afirmam que quando as pessoas estão motivadas pelo desejo de ser
algo ou obter algo, não importando o que façam – quer desenvolvam os cinco
conhecimentos superiores, (abhiñña),
ou as oito realizações, (samapatti) –
ainda assim será prática incorreta. Por outro lado, aqueles que são motivados
pela aspiração por Nibbana, que estão visando a renúncia ou a mente liberada,
ao invés de conquistar ou obter algo, estarão sempre com a prática correta,
mesmo quando realizam ações menores, como ao fazer oferendas. [Veja
SN.AN.II.14]
No entanto,
minha intenção em apresentar para comparação esses dois tipos de prática
correta e incorreta é de simplesmente incorporá-los no exame da progressão de
um processo natural de cessação para uma técnica desenvolvida pela habilidade
humana conhecida como o Caminho, como explicado acima. Observe que além de
descrever o processo e o caminho prático para a bondade, aquilo que é
prejudicial ou incorreto também será descrito.
Existe um
outro modo através do qual o Buda descreveu o ciclo da Origem Dependente no seu
modo de cessação que difere daqueles mencionados acima. A metade inicial
descreve o surgimento do sofrimento de acordo com o ciclo normal da Origem
Dependente em seqüência para diante, ou modo de origem, por todos os elos até o
surgimento do sofrimento, mas a partir dali, ao invés de apresentar o ciclo da
Origem Dependente na sua seqüência normal, ele descreve a progressão de
condições hábeis que condicionam umas às outras numa outra seqüência que
culmina com a liberação. Essa é uma seqüência de condições totalmente nova que
não faz referência de forma nenhuma à cessação das condições no modo de origem.
Essa seqüência é um exemplo muito importante de como os fatores do Caminho
podem ser aplicados num sistema prático da vida real. Em outras palavras, é uma
seqüência que pode surgir para aquele que trilha o Caminho com êxito e alcança
o objetivo. Esse processo de liberação é mencionado em vários lugares no
cânone, com pequenas diferenças de um para outro. Gostaria de apresentá-lo da
seguinte forma:
Ignorância
=> impulsos volitivos => consciência => materialidade-mentalidade
=> meios dos sentidos => contato => sensação=> desejo => apego
=> vir a ser => nascimento => sofrimento => convicção => alegria
=> êxtase => serenidade => felicidade => concentração =>
conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento
=> desapego => libertação => fim das impurezas. [SN.II.31 ] (SN XII.23)
Note que a
progressão começa com a ignorância e prossegue até o sofrimento que é o modo de
origem da Origem Dependente ou o surgimento do sofrimento, mas então, tendo
chegado ao sofrimento, ao invés da seqüência começar novamente na ignorância,
como é usual, esta prossegue com a confiança (fé) que passa a dirigir o fluxo
da ignorância para uma outra direção, uma direção hábil, que ao final levará ao
conhecimento da destruição das impurezas, não mais retornando de forma nenhuma
para a ignorância. Note que quando o sofrimento é tomado como o elemento do
meio, o número de elementos que o antecedem e sucedem é o mesmo.
Para aquele
que compreende a natureza da ignorância, a progressão acima não irá parecer
estranha: se formos dividí-la em duas seções, descobriremos que uma é a
seqüência da ignorância até o sofrimento, enquanto que a outra é a seqüência da
confiança (fé) até o conhecimento da destruição das impurezas (iluminação). Na
última seqüência, a confiança (fé) toma o lugar da ignorância. A confiança (fé)
neste caso se refere a uma forma de ignorância modificada ou diluída. Neste
estágio, a ignorância não é mais a do tipo cega, mas está imbuída de um grão de
entendimento que empurra a mente para prosseguir na direção boa, finalmente
conduzindo ao conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são e à
libertação.
Em termos
simplificados, isso significa que uma vez que o sofrimento tenha surgido, de
acordo com os canais normais, a pessoa busca uma saída. No caso de uma pessoa
ter a oportunidade de ouvir ensinamentos verdadeiros ou desenvolver a
compreensão lógica da moral, estes fatores levarão à alegria e ao êxtase que
por sua vez vão encorajá-la a se esforçar pelo desenvolvimento gradual de boas
qualidades mais elevadas.
Na verdade,
esta última seqüência tem correspondência com o modo de cessação no formato
padrão da Origem Dependente, (com a cessação da ignorância cessam os impulsos
volitivos, etc.), mas aqui é dado um quadro mais detalhado, buscando ilustrar
como a seqüência do surgimento do sofrimento se conecta com a seqüência da
cessação do sofrimento.
No
Nettipakarana [24], o seguinte trecho
atribuído ao Buda é dado como uma descrição do modo de cessação do ciclo da
Origem Dependente:
“Ananda, desta forma, a conduta moral habilidosa tem a inexistência de
remorso como seu objetivo, a inexistência de remorso tem a alegria como seu
objetivo, a alegria tem o êxtase como seu objetivo, o êxtase tem a serenidade
como seu objetivo, a serenidade tem a felicidade como seu objetivo, a
felicidade tem a concentração como seu objetivo, a concentração tem o
conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são como seu objetivo, o
conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são tem o desencantamento
como seu objetivo, o desencantamento tem o desapego como seu objetivo, o
desapego tem o conhecimento da libertação como seu objetivo. É assim que a
conduta moral hábil ocasiona a realização desses fatores para alcançar o estado
de arahant.”[25]
De acordo com esse trecho, a seqüência é a seguinte:
Conduta
moral habilidosa => inexistência de remorso => alegria => êxtase =>
serenidade => felicidade => concentração => conhecimento e visão das
coisas como na verdade elas são => desencantamento => desapego =>
conhecimento da libertação
Pode ser
visto que esta seqüência é a mesma mencionada antes, exceto que esta menciona
apenas a seção que lida com a cessação do sofrimento e exclui a seção que lida
com o surgimento do sofrimento. Vejamos novamente a seqüência anterior:
Ignorância
=> impulsos volitivos => consciência => materialidade-mentalidade
=> meios dos sentidos => contato => sensação=> desejo => apego
=> vir a ser => nascimento => sofrimento => convicção => alegria
=> êxtase => serenidade => felicidade => concentração =>
conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento
=> desapego => libertação => fim das impurezas
Embora as
duas seqüências sejam iguais, elas não apresentam palavras idênticas. Uma
seqüência começa com a confiança (fé), a outra com a conduta moral habilidosa e
continua com a inexistência de remorso. A partir disso ambas são iguais. Na
verdade a única diferença diz respeito às palavras e à ênfase. A primeira
seqüência ilustra a situação na qual a confiança (fé) desempenha o papel
predominante. Por outro lado, nesse tipo de confiança (fé), a mente possui
total segurança na racionalidade, está inspirada na bondade e segura da
virtude. Esse estado mental também será influenciado pelo comportamento. A
confiança (fé) estando assim suportada pelo comportamento hábil e bom, tem como
seguimento a alegria, como na outra seqüência que começa com a conduta moral
habilidosa e inexistência de remorso. Esta seqüência atribui proeminência à
prática moral. Nesta situação, a confiança (fé) fundamentada na racionalidade e
a predileção pela bondade são essenciais para manter uma boa conduta moral. Com
a moralidade e a inexistência de remorso, a pessoa se sente segura quanto à
qualidade do seu comportamento que é uma característica da confiança (fé). Isso
proporciona confiança (fé) e clareza para a mente e se torna uma condição para
o surgimento da alegria, como na seqüência anterior.
Uma das
seqüências conclui com a ‘libertação e o fim das impurezas,’ enquanto que a
outra conclui com o ‘conhecimento da libertação.’ Ambas são iguais, exceto pelo
fato de que a última seqüência inclui a libertação e destruição das impurezas
sob o título ‘conhecimento da liberação.’
Uma outra
ilustração do processo de libertação prossegue da seguinte forma:
Atenção com
sabedoria (yoniso-manasikara) =>
alegria => êxtase => serenidade => felicidade => concentração =>
conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento
=> desapego => libertação.[DN.III.288]
Esta
seqüência difere apenas no fato de iniciar com a atenção com sabedoria, ou
saber como pensar e raciocinar por si mesmo, ao invés da confiança (fé) que
depende de influências externas para orientação. Quando a pessoa pensa de modo
apropriado e de acordo com a realidade, ela será capaz de ver as coisas como
elas na verdade são e o resultado é a alegria. A partir disso, os fatores da
progressão são os mesmos das seqüências anteriores.
Essas
seqüências mostram com clareza o caminho da prática em relação ao ciclo da
Origem Dependente. Mesmo assim, elas são apenas um esboço tosco das técnicas práticas. Existem ainda muitos pontos que devem ser
esclarecidos, como o que precisa ser feito para dar início ao surgimento desse
tipo de seqüência. Essa é a preocupação do Caminho, as Quatro Nobres Verdades
ou o Caminho do Meio que trata do sistema ético Budista, a prática moral
baseada no conhecimento dos processos naturais. No entanto, esse é um assunto
vasto que precisa ser tratado numa outra oportunidade.
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Notas:
23. A frase majjhena dhammadesana, ou Ensinamento do Meio, provém
da sentença em Pali “majjhena dhammam deseti,” que aparece com
freqüência por todo o Nidanavagga
do Samyutta Nikaya, do SN.II.17 até SN.II.77.[Retorna]
24. Nanamoli, The Guide,
Pali Text Society, 1962, pág.97. [Retorna]
25. AN.V.311. No AN.V.1, existe o mesmo trecho, exceto pelo fato de
colocar nibbida e virago juntos como um só.[Retorna]
Revisado: 15 Fevereiro 2003