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9. Rompendo o Ciclo

 

 


O ensinamento sobre a Origem Dependente faz parte daquilo que é conhecido como o Ensinamento do Meio, (majjhena-dhammadesana). Ele é ensinado como uma verdade natural, impessoal, uma descrição da natureza das coisas tal como elas são, evitando as teorias extremas ou idéias preconceituosas que os seres humanos costumam criar como resultado das suas percepções distorcidas do mundo, dos seus apegos e desejos. O ciclo da Origem Dependente que descreve a problemática do sofrimento humano ocorre em duas partes: a primeira parte, chamada samudayavara, (modo de origem), é uma descrição do surgimento do sofrimento que corresponde à segunda Nobre Verdade, a causa do sofrimento; a segunda parte, chamada nirodhavara, (modo de cessação), é uma descrição da cessação do sofrimento que corresponde à terceira Nobre Verdade.

 

Em essência, então, o Ensinamento do Meio [23] descreve dois processos:

 

1. Samudaya: O modo de origem do ciclo da Origem Dependente: ignorância => impulsos volitivos...vir a ser => nascimento => envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero = o surgimento do sofrimento.

 

2. Nirodha: O modo de cessação do ciclo da Origem Dependente: cessação da ignorância => cessação dos impulsos volitivos => cessação da consciência...cessação do envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero = a cessação do sofrimento.

 

A razão pela qual precisamos lidar com a causa do sofrimento, (samudaya), é porque somos confrontados com um problema, (dukkha), cuja solução demanda a investigação da sua causa.. Quando a causa do sofrimento é compreendida, reconhecemos que a solução do problema consiste na erradicação dessa causa.

 

Dessa forma é descrito o processo de cessação do sofrimento, (nirodha). No Ensinamento do Meio, a cessação do sofrimento inclui não somente o processo para produzir a cessação do sofrimento, mas também o estado de cessação em si, que é Nibbana.

 

Uma discussão sobre o tema do sofrimento, a causa do sofrimento, o processo de cessação do sofrimento e o estado de cessação do sofrimento, pode parecer uma descrição abrangente dos ensinamentos do Buda, mas na verdade não é. Isto porque o Ensinamento do Meio descreve apenas fenômenos naturais que operam de acordo com causas e condições naturais. Ele não está direcionado para a aplicação prática. É por isso que o processo de cessação do sofrimento, ou nirodha, que faz parte do Ensinamento do Meio, é simplesmente uma descrição de fenômenos impessoais e do seu funcionamento inter-relacionado para produzir a cessação do sofrimento. Ele não aborda de forma nenhuma os detalhes da aplicação prática. Ele simplesmente afirma que para realizar o objetivo, a cessação do sofrimento, os fatores devem progredir daquela forma, mas não menciona o que precisamos fazer para que esse processo ocorra. O Ensinamento do Meio é apenas uma descrição do processo natural que faz parte da ordem natural. Estudar a mecânica do processo da cessação pode conduzir à compreensão dos princípios básicos envolvidos, mas ainda nos faltará a orientação prática. Que métodos existem para a realização dessa solução de problemas que estivemos estudando? Esse é o ponto em que o processo natural tem que ser conectado com a aplicação prática.

 

É imperativo que a aplicação prática esteja em conformidade e em harmonia com o processo natural – é preciso que ela opere de acordo com o processo natural para produzir resultados. O princípio vigente neste caso é, primeiro, conhecer e compreender o processo natural e daí praticar de acordo com um método desenvolvido de acordo com as habilidades humanas, baseado naquele conhecimento e compreensão. Em outras palavras, no que diz respeito ao processo natural, nossa única tarefa é de conhecê-lo, enquanto que com relação à prática, a nossa responsabilidade é de formular técnicas que estejam em conformidade com aquele entendimento, e dessa forma gradualmente passar do mero conhecimento do processo natural para a aplicação prática.

 

A prática, técnicas e métodos de prática neste contexto, são conhecidos pelo termo especializado patipada – os métodos de prática, o modo de vida ou estilo de vida que conduzem à cessação do sofrimento. O Buda definiu métodos de prática que estão em harmonia com o processo natural, ou Ensinamento do Meio, e chamou essa prática de Caminho do Meio (majjhima patipada), que consiste de técnicas equilibradas, em conformidade com o processo natural e perfeitamente sintonizadas para efetuar a cessação do sofrimento. O Caminho evita os dois extremos da submissão à sensualidade e da auto-mortificação que leva à estagnação ou desvio do verdadeiro objetivo.

 

O Caminho do Meio é conhecido de forma concisa como magga, o Caminho. Como esse Caminho possui oito elementos ou componentes e transforma aquele que o percorre com êxito em uma pessoa nobre (ariya), ele também é conhecido como o Nobre Caminho Óctuplo. O Buda afirmou que esse Caminho, esse Caminho do Meio, foi um caminho respeitado ao longo de gerações e que muitos o percorreram no passado e alcançaram o objetivo. O Buda foi apenas o mero descobridor e revelador desse  antigo caminho. A sua tarefa foi de simplesmente indicá-lo para os outros. [SN.II.106] (SN XII.65)

 

O Caminho é uma técnica para a realização do objetivo, que é a cessação do sofrimento em conformidade com o processo natural. Ele opera dentro de causas e condições, guiando-as para interagirem e produzirem o resultado desejado. Quando falamos do Caminho, não estamos mais nos referindo a um processo impessoal de cessação do sofrimento, mas de uma técnica desenvolvida pelas habilidades humanas, o Caminho Óctuplo. Em outras palavras, transcendemos o nível do conhecimento e entramos no campo da aplicação prática.

 

Para compreender essa transferência de um processo natural para uma técnica formulada, poderemos empregar o seguinte modelo:

 

Nirodha: cessa a ignorância => cessam os impulsos volitivos => cessa a consciência => cessam a mentalidade-materialidade => cessam os meios dos sentidos => cessa o contato => cessa a sensação => cessa o desejo => cessa o apego => cessa o vir a ser => cessa o nascimento=> cessam o envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero => a cessação do sofrimento

 

Magga: Entendimento Correto, Pensamento Correto, Linguagem Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Plena Correta, Concentração Correta => cessação do sofrimento

 

Podemos resumir a conexão entre o processo natural da cessação do sofrimento e as técnicas humanas para implementá-lo, conhecidas como o Caminho, da seguinte forma:

 

 

O Caminho surge do  uso do conhecimento do processo natural da cessação para formular um método de prática. É essencial de certa forma conhecer e compreender esse processo natural e essa é a razão porque o Caminho inicia com o Entendimento Correto.

 

 

O Caminho recomenda técnicas de prática que podem ser adaptadas a qualquer época e lugar. Que podem ser explicadas em muitos níveis, do mais simples ao mais complexo. Os oito fatores do Caminho podem ainda ser divididos em muitos sub-elementos, fazendo com que o caminho da prática se torne bastante complexo. O Caminho é uma técnica que gradualmente conduz ao estado em que não há problemas, mais lentamente ou mais rapidamente, de maneira mais ou menos eficaz, de acordo com o nível de prática empregada.

 

 

O Caminho é um sistema graduado de prática, resultado da criação humana, que conta com a gradual acumulação de bondade para superar o poder das condições ruins, que obstruem ou detêm a realização do objetivo. Por essa razão o Caminho enfatiza, especialmente nos estágios iniciais, o abandono do mal e o cultivo do bem.

 

 

O Caminho pode ser comparado com as técnicas práticas para extinguir um incêndio, que precisam operar de acordo com os princípios naturais. Estes  envolverão formas de privar o incêndio de combustível, privá-lo de oxigênio ou reduzir a temperatura. Quando esses três princípios simples são transferidos para a aplicação prática, eles se convertem em grandes preocupações: técnicas precisam ser desenvolvidas e dispositivos inventados para esse objetivo. Por exemplo, o tipo de material e ferramentas que serão usados precisam ser avaliados levando em conta se o incêndio tem como causa eletricidade, petróleo, gás ou fogo comum, e as técnicas empregadas em cada caso precisam ser as mais adequadas. Pode ser que as pessoas tenham que ser especialmente treinadas com o objetivo de extinguir incêndios.

 

Usando uma outra analogia, a cessação pode ser comparada com os princípios para a cura de uma enfermidade, que descrevem a cura por meio da remoção da causa, como ao destruir a bactéria que tenha causado a enfermidade, a remoção do veneno ou matéria estranha do corpo ou a resolução do mal funcionamento ou degeneração dos órgãos do corpo. O Caminho pode ser comparado com as técnicas e métodos usados para curar uma enfermidade. Comparados ao Caminho, os princípios para a cura de uma enfermidade parecem minúsculos. As técnicas para curar as enfermidades são muito variadas, começando com a observação dos sintomas da enfermidade, o diagnóstico, a aplicação de medicamentos, as técnicas de cirurgia, de enfermagem e de fisioterapia; a invenção e produção de instrumentos cirúrgicos; a construção de hospitais e casas de repouso; o sistema de administração hospitalar e o treinamento de médicos e enfermeiras – apenas para mencionar alguns – que no seu conjunto apresentam um quadro vasto e complexo.

 

Embora se diga que o Caminho do Meio tenha oito elementos, esses elementos são apenas os fundamentos, e eles podem ser divididos em muitos outros fatores e classificados em inúmeros sistemas distintos e níveis de acordo com distintos objetivos, situações e temperamentos. Portanto, existem ensinamentos altamente detalhados em grande             quantidade que lidam com o Caminho e que requerem uma grande quantidade de estudo. O Caminho do Meio é um tema amplo que merece uma explicação em separado. O seu estudo pode ser dividido em duas seções principais: primeiro, aquela que lida com os elementos do Caminho, que é o sistema básico e outra que define e analisa esses elementos sob várias formas para uso em circunstâncias especializadas. Aqui lidaremos apenas com uma descrição básica dos elementos do Caminho.

 

Antes de começar a descrever o Caminho em si, vamos primeiro revisar algumas maneiras para ilustrar o avanço de um estado natural para uma aplicação prática ou de um processo natural para uma técnica humana.

 

Nos textos, estes dois tipos de prática são descritos:

 

1. Miccha-patipada, prática incorreta ou caminho incorreto, sendo o caminho que conduz ao sofrimento.

 

2. Samma-patipada, prática correta ou caminho correto, sendo o caminho que conduz à cessação do sofrimento.

 

Em alguns lugares, o modo de origem do ciclo da Origem Dependente é chamado  miccha-patipada e o modo de cessação é chamado samma-patipada, representados da seguinte forma:

 

Miccha-patipada: ignorância => impulsos volitivos => consciência => materialidade-mentalidade => meios dos sentidos => contato => sensação => desejo => apego => vir a ser => nascimento => envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero => sofrimento.

 

Samma-patipada: cessação da ignorância => cessação dos impulsos volitivos => cessação da consciência => cessação da materialidade-mentalidade => cessação dos meios dos sentidos => cessação do contato => cessação da sensação => cessação do desejo => cessação do apego => cessação do vir a ser => cessação do nascimento => cessação do envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero => cessação do sofrimento. [SN.II.4]

 

Em outro texto, no entanto, o Buda explica as práticas que se opõem diretamente ao Caminho Óctuplo como sendo miccha-patipada e o Caminho Óctuplo em si como sendo samma-patipada, portanto:

 

Miccha-patipada: Entendimento Incorreto, pensamento incorreto, linguagem incorreta, ação incorreta, modo de vida incorreto, esforço incorreto, atenção plena incorreta, concentração incorreta.

 

Samma-patipada: Entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.[SN.V.18]

 

O ciclo da Origem Dependente é a descrição de um processo natural, não um caminho de prática. No entanto, o primeiro conjunto de práticas corretas e incorretas descritas acima, descrevem a prática em relação ao ciclo da Origem Dependente. Há uma contradição nisso? O que pode ser respondido é que o ciclo da Origem Dependente ilustrado nesse     caso (e ele é mostrado como um modo de prática apenas nesse Sutta) procura descrever uma aplicação prática. Os Comentadores desse Sutta colocam a questão: a ignorância pode ser uma condição para boas ações ou mérito, (puññabhisankhara), ou servir para gerar um estado de concentração muito estável, (aneñjabhisankhara); porque então chamar de prática incorreta? Respondendo a essa questão, os Comentadores afirmam que quando as pessoas estão motivadas pelo desejo de ser algo ou obter algo, não importando o que façam – quer desenvolvam os cinco conhecimentos superiores, (abhiñña), ou as oito realizações, (samapatti) – ainda assim será prática incorreta. Por outro lado, aqueles que são motivados pela aspiração por Nibbana, que estão visando a renúncia ou a mente liberada, ao invés de conquistar ou obter algo, estarão sempre com a prática correta, mesmo quando realizam ações menores, como ao fazer oferendas. [Veja SN.AN.II.14]

 

No entanto, minha intenção em apresentar para comparação esses dois tipos de prática correta e incorreta é de simplesmente incorporá-los no exame da progressão de um processo natural de cessação para uma técnica desenvolvida pela habilidade humana conhecida como o Caminho, como explicado acima. Observe que além de descrever o processo e o caminho prático para a bondade, aquilo que é prejudicial ou incorreto também será descrito.

 

Existe um outro modo através do qual o Buda descreveu o ciclo da Origem Dependente no seu modo de cessação que difere daqueles mencionados acima. A metade inicial descreve o surgimento do sofrimento de acordo com o ciclo normal da Origem Dependente em seqüência para diante, ou modo de origem, por todos os elos até o surgimento do sofrimento, mas a partir dali, ao invés de apresentar o ciclo da Origem Dependente na sua seqüência normal, ele descreve a progressão de condições hábeis que condicionam umas às outras numa outra seqüência que culmina com a liberação. Essa é uma seqüência de condições totalmente nova que não faz referência de forma nenhuma à cessação das condições no modo de origem. Essa seqüência é um exemplo muito importante de como os fatores do Caminho podem ser aplicados num sistema prático da vida real. Em outras palavras, é uma seqüência que pode surgir para aquele que trilha o Caminho com êxito e alcança o objetivo. Esse processo de liberação é mencionado em vários lugares no cânone, com pequenas diferenças de um para outro. Gostaria de apresentá-lo da seguinte forma:

 

Ignorância => impulsos volitivos => consciência => materialidade-mentalidade => meios dos sentidos => contato => sensação=> desejo => apego => vir a ser => nascimento => sofrimento => convicção => alegria => êxtase => serenidade => felicidade => concentração => conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento => desapego => libertação => fim das impurezas. [SN.II.31 ] (SN XII.23)

 

Note que a progressão começa com a ignorância e prossegue até o sofrimento que é o modo de origem da Origem Dependente ou o surgimento do sofrimento, mas então, tendo chegado ao sofrimento, ao invés da seqüência começar novamente na ignorância, como é usual, esta prossegue com a confiança (fé) que passa a dirigir o fluxo da ignorância para uma outra direção, uma direção hábil, que ao final levará ao conhecimento da destruição das impurezas, não mais retornando de forma nenhuma para a ignorância. Note que quando o sofrimento é tomado como o elemento do meio, o número de elementos que o antecedem e sucedem é o mesmo.

 

Para aquele que compreende a natureza da ignorância, a progressão acima não irá parecer estranha: se formos dividí-la em duas seções, descobriremos que uma é a seqüência da ignorância até o sofrimento, enquanto que a outra é a seqüência da confiança (fé) até o conhecimento da destruição das impurezas (iluminação). Na última seqüência, a confiança (fé) toma o lugar da ignorância. A confiança (fé) neste caso se refere a uma forma de ignorância modificada ou diluída. Neste estágio, a ignorância não é mais a do tipo cega, mas está imbuída de um grão de entendimento que empurra a mente para prosseguir na direção boa, finalmente conduzindo ao conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são e à libertação.

 

Em termos simplificados, isso significa que uma vez que o sofrimento tenha surgido, de acordo com os canais normais, a pessoa busca uma saída. No caso de uma pessoa ter a oportunidade de ouvir ensinamentos verdadeiros ou desenvolver a compreensão lógica da moral, estes fatores levarão à alegria e ao êxtase que por sua vez vão encorajá-la a se esforçar pelo desenvolvimento gradual de boas qualidades mais elevadas.

 

Na verdade, esta última seqüência tem correspondência com o modo de cessação no formato padrão da Origem Dependente, (com a cessação da ignorância cessam os impulsos volitivos, etc.), mas aqui é dado um quadro mais detalhado, buscando ilustrar como a seqüência do surgimento do sofrimento se conecta com a seqüência da cessação do sofrimento.

 

No Nettipakarana [24], o seguinte trecho atribuído ao Buda é dado como uma descrição do modo de cessação do ciclo da Origem Dependente:

 

“Ananda, desta forma, a conduta moral habilidosa tem a inexistência de remorso como seu objetivo, a inexistência de remorso tem a alegria como seu objetivo, a alegria tem o êxtase como seu objetivo, o êxtase tem a serenidade como seu objetivo, a serenidade tem a felicidade como seu objetivo, a felicidade tem a concentração como seu objetivo, a concentração tem o conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são como seu objetivo, o conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são tem o desencantamento como seu objetivo, o desencantamento tem o desapego como seu objetivo, o desapego tem o conhecimento da libertação como seu objetivo. É assim que a conduta moral hábil ocasiona a realização desses fatores para alcançar o estado de arahant.”[25]

 

De acordo com esse trecho, a seqüência é a seguinte:

 

Conduta moral habilidosa => inexistência de remorso => alegria => êxtase => serenidade => felicidade => concentração => conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento => desapego => conhecimento da libertação

 

Pode ser visto que esta seqüência é a mesma mencionada antes, exceto que esta menciona apenas a seção que lida com a cessação do sofrimento e exclui a seção que lida com o surgimento do sofrimento. Vejamos novamente a seqüência anterior:

 

Ignorância => impulsos volitivos => consciência => materialidade-mentalidade => meios dos sentidos => contato => sensação=> desejo => apego => vir a ser => nascimento => sofrimento => convicção => alegria => êxtase => serenidade => felicidade => concentração => conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento => desapego => libertação => fim das impurezas

 

Embora as duas seqüências sejam iguais, elas não apresentam palavras idênticas. Uma seqüência começa com a confiança (fé), a outra com a conduta moral habilidosa e continua com a inexistência de remorso. A partir disso ambas são iguais. Na verdade a única diferença diz respeito às palavras e à ênfase. A primeira seqüência ilustra a situação na qual a confiança (fé) desempenha o papel predominante. Por outro lado, nesse tipo de confiança (fé), a mente possui total segurança na racionalidade, está inspirada na bondade e segura da virtude. Esse estado mental também será influenciado pelo comportamento. A confiança (fé) estando assim suportada pelo comportamento hábil e bom, tem como seguimento a alegria, como na outra seqüência que começa com a conduta moral habilidosa e inexistência de remorso. Esta seqüência atribui proeminência à prática moral. Nesta situação, a confiança (fé) fundamentada na racionalidade e a predileção pela bondade são essenciais para manter uma boa conduta moral. Com a moralidade e a inexistência de remorso, a pessoa se sente segura quanto à qualidade do seu comportamento que é uma característica da confiança (fé). Isso proporciona confiança (fé) e clareza para a mente e se torna uma condição para o surgimento da alegria, como na seqüência anterior.

 

Uma das seqüências conclui com a ‘libertação e o fim das impurezas,’ enquanto que a outra conclui com o ‘conhecimento da libertação.’ Ambas são iguais, exceto pelo fato de que a última seqüência inclui a libertação e destruição das impurezas sob o título ‘conhecimento da liberação.’

 

Uma outra ilustração do processo de libertação prossegue da seguinte forma:

 

Atenção com sabedoria (yoniso-manasikara) => alegria => êxtase => serenidade => felicidade => concentração => conhecimento e visão das coisas como na verdade elas são => desencantamento => desapego => libertação.[DN.III.288]

 

Esta seqüência difere apenas no fato de iniciar com a atenção com sabedoria, ou saber como pensar e raciocinar por si mesmo, ao invés da confiança (fé) que depende de influências externas para orientação. Quando a pessoa pensa de modo apropriado e de acordo com a realidade, ela será capaz de ver as coisas como elas na verdade são e o resultado é a alegria. A partir disso, os fatores da progressão são os mesmos das seqüências anteriores.

 

Essas seqüências mostram com clareza o caminho da prática em relação ao ciclo da Origem Dependente. Mesmo assim, elas são apenas um esboço tosco das técnicas práticas.  Existem ainda muitos pontos que devem ser esclarecidos, como o que precisa ser feito para dar início ao surgimento desse tipo de seqüência. Essa é a preocupação do Caminho, as Quatro Nobres Verdades ou o Caminho do Meio que trata do sistema ético Budista, a prática moral baseada no conhecimento dos processos naturais. No entanto, esse é um assunto vasto que precisa ser tratado numa outra oportunidade.

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Notas:

 

23. A frase majjhena dhammadesana, ou Ensinamento do Meio, provém da sentença em Pali “majjhena dhammam deseti,” que aparece com freqüência por todo o Nidanavagga do Samyutta Nikaya, do SN.II.17 até SN.II.77.[Retorna]

 

24. Nanamoli, The Guide, Pali Text Society, 1962, pág.97. [Retorna]

 

25. AN.V.311. No AN.V.1, existe o mesmo trecho, exceto pelo fato de colocar nibbida e virago juntos como um só.[Retorna]  


Revisado: 15 Fevereiro 2003